Um verdadeiro drama europeu na Netflix e que Hollywood jamais seria capaz de criar algo parecido Divulgação / Netflix

Um verdadeiro drama europeu na Netflix e que Hollywood jamais seria capaz de criar algo parecido

Famílias são associações de pessoas com a mesma origem e sonhos diferentes. A partir de então, pululam as disputas por colo, as brigas por independência, os arranca-rabos em que cada um acha-se o dono da verdade, ainda que saibam que, cinco minutos depois, ou uma hora, ou vinte anos, essas patéticas disputas não significam mais nada — às vezes, essa óbvia conclusão se anuncia a tempo de ninguém ter ainda sumido para nunca mais voltar, mas de um modo ou de outro, ela acaba por vir.

A morte está sempre à mesa em “Meu Irmão, Minha Irmã”, porém o melodrama de Roberto Capucci trata mesmo é de vida, que todos sabemos que não é bonita sempre. O texto do diretor-roteirista dosa bem a medida de pesar e prazer em cada cena de seu filme, conseguindo que a audiência se emocione, vá às lágrimas, ria, pense, tendo por pano de fundo uma questão nada romântica, mas que também faz parte da vida como ela é. Mas não de todas as famílias.

Pela sequência inicial, não se tem uma referência muito fiel sobre o que Capucci vai contar em 110 minutos de uma história que prima pela fluidez. Numa igreja, acontece o velório de Giulio Costa, um professor de astrofísica tão enamorado do que fazia que era visto como uma espécie de bruxo, explicando diante do olhar atento e maravilhado de seus alunos os fenômenos que envolvem a sibilina relação entre tempo e espaço.

Tesla, a filha mais nova, faz um discurso em que exalta a seriedade do pai, interrompido pela emoção; a neta, Carolina, diz que Giulio estava sempre disposto a ensinar-lhe alguma coisa, mas que deveria tê-la feito aprender a suportar sua ausência; e Sebastiano, o neto, permanece sentado, por motivos que serão esclarecidos logo. Tudo segue a contento, ate que os personagens de Claudia Pandolfi, Ludovica Martino e Francesco Cavallo  deparam-se com um intruso que conhecia muito bem o morto.

Nikola regressa depois de duas décadas de périplos de duração e itinerários definidos ao sabor do vento, mas continuava tendo uma ideia muito sensata a respeito do pai, a ponto de ter merecido os aplausos de gente que jamais vira. Alessandro Preziosi dá o ritmo da narrativa agora e em muitos outros momentos do longa, prestando-se ao justo equilíbrio à melancolia da personagem de Pandolfi, escondida sob olheiras atávicas e um semblante tendendo para o cansaço ubíquo que a paralisa, do qual desperta de quando em quando, nas horas em que tem de se impor e refrear o gênio bastante impulsivo de Nik, que se instala na casa da família como se nunca tivesse virado as costas e partido, segredo que o diretor aclara no epílogo.

Antes, ele pusera os irmãos juntos, na presença de um advogado, a fim de que o testamento de Giulio fosse lido. O pai determinara que eles vivessem sob o mesmo teto por ao menos um ano até que pudessem vender o imóvel, que ainda preserva o cheiro da juventude deles.

“Meu Irmão, Minha Irmã” guarda revelações perturbadoras entre o segundo e o terceiro atos, contando com o talento de Cavallo para subir e descer o nível de tensão do enredo. Esquizofrênico, ao contrário do que a mãe previa (e desejava?), Seba melhora com a presença do adorável estranho. Na iminência do desfecho, Capucci é hábil ao brincar com enquadramentos e truques de edição a fim de provocar em quem assiste um mal-entendido quanto ao fim do mocinho, que sobrevive a si mesmo e aos traumas a que havia dispensado um apego que nem ele mesmo sabia mais justificar.


Filme: Meu Irmão, Minha Irmã
Direção: Roberto Capucci
Ano: 2021
Gêneros: Comédia/Drama
Nota: 8/10