Uma das histórias mais tristes do cinema está na Netflix e vai te fazer chorar até lavar a alma Divulgação / Kang Quintus Films

Uma das histórias mais tristes do cinema está na Netflix e vai te fazer chorar até lavar a alma

O shakespeariano “Nganù” é uma tragédia do reconhecido e premiado cineasta camaronês Kang Quintus, que narra a jornada de um homem traumatizado por um passado violento e que reproduz as agressões físicas, emocionais e sexuais que viu sua mãe sofrer de seu pai com sua própria esposa, Meukeuna (Azah Melvine). Nganù é interpretado por Quintus, que além de dirigir e protagonizar, também coescreveu o roteiro com Proxy Buh e Enah Johnscott.

Com uma pesada carga dramática, o filme vai e volta do passado ao presente, comparando os comportamentos de Nganù com os de seu pai e elucidando para o público as origens de sua persona quebrada e problemática, sem em momento algum fazer com que sua dor justifique suas ações. Quintus mostra o peso do passado sobre o presente e como nossas experiências nos moldam como seres humanos. Mas ele não quer que sintamos pena de seu protagonista. Na verdade, sentimos ódio, rancor e ojeriza pela forma como ele trata sua família.

Nganù ainda é dependente de drogas e álcool, violento também com seu filho adolescente Kum (Ayuk Gareth) e começa a se meter em confusões com outros membros de seu vilarejo. Quando o governo emite um comunicado pedindo o alistamento de homens para combater o grupo jihadista Boko Haram, Nganù é influenciado por amigos e vizinhos a se unir aos soldados. Eles acreditam que a experiência será catalisadora para ele, que aprenderá a fazer algo bom por sua comunidade e irá fixar sua raiva acumulada em algo que realmente vale a pena.

Alistado, Nganù tem de se adaptar a uma nova realidade, onde o respeito, disciplina e hierarquia são fundamentais. Ele jamais havia aprendido nada sobre isso, pois sua família sempre foi desestruturada por conta de seu pai violento. Nganù passa por um rígido treinamento que aprimora seu desempenho físico, mas se mete em uma briga com um colega e acaba jogado na prisão, sem comida e água. Tendo que se adaptar a uma série de regras rigorosas, Nganù passa por uma dolorosa transformação, que o faz relembrar todos os horrores nos quais submeteu sua família. Além disso, sua amizade com Cabrel, um dos soldados, também o faz aprender lições valiosas. Cabrel não teve pai presente quando criança, mas a experiência traumática de infância o fez querer ser o exato oposto. Homem leal e dedicado à sua família, ele acaba por inspirar Nganù.

Ao fim do treinamento militar, os soldados retornam para suas famílias, que os recebem calorosamente. No entanto, não há ninguém esperando por Nganù. Em sua antiga residência, tudo parece abandonado e deteriorado. Seu reencontro com Meukeuna e Kum não é nada do que ele esperava. Então, Quintus traz um desfecho inesperado para seu anti-herói em busca de redenção.

“Nganù” é muito claramente um filme independente, que não usufrui de grandes mecanismos e aparatos de produção. Não espere encontrar uma grandiosidade hollywoodiana aqui. A fotografia de Takong Delvis também não é das mais impressionantes, mas talvez seja exatamente a simplicidade técnica que nos leva a pisar tão próximo da realidade de seus personagens.

O enredo é muito comovente, mas infelizmente o longa-metragem ainda carece daquela “cara de cinema”. Ao fim de seus 101 minutos de duração, a sensação é de que assistimos a um filme caseiro. É um ponto negativo? Sim, porque nem todos conseguem se adaptar e enxergar a beleza desta história profundamente íntima e dolorosa.


Filme: Nganù
Direção: Kang Quintus
Ano: 2023
Gênero: Drama
Nota: 8/10