Digno de Oscar e aplaudido de pé no Festival de Sundance, pequena obra-prima acaba de estrear na Netflix Divulgação / Focus Features

Digno de Oscar e aplaudido de pé no Festival de Sundance, pequena obra-prima acaba de estrear na Netflix

Grandes traumas desabam sobre a vida dos homens despertando quereres os mais controversos. Se por um lado há quem não resista, e feneça aos poucos, ansiando ser tragado pela generosa terra que nada rejeita, outros lutam, cada qual a seu modo, até que sintam-se novamente prontos para enfrentar as trapaças do destino, não de igual para igual, porque é impossível, mas com a dignidade com que regala-lhes a Providência. Edee, a ermitã de “Um Lugar”, se move em busca do pedacinho de mundo onde possa reencontrar-se consigo mesma, empreitada sobre a qual não tem nenhum controle e a que se lança certa de que não tanta margem para retorno.

Estreando na direção, Robin Wright compõe um trabalho primoroso sob vários pontos de vista, aclamado no Festival de Cinema de Sundance, incentivo-mor para cineastas neófitos, e que vai cativando o público pela sutileza despretensiosa, atributo que pavimenta um caminho de reflexões filosóficas acerca de temas como sonho, finitude, recomeço, jornada feita de altos e baixos, alegrias, muitas tristezas e sobretudo de descobertas.

Edee parece mesmo perdida, e quase não volta da espiral de pensamentos que só ela alcança, esperando que o tempo passe o bastante para que esqueça tudo quanto viveu. O texto de Erin Dignam e Jesse Chatham concentra suas atenções na figura dessa mulher esvaziada, murcha, incapaz de responder aos apelos do próprio espírito, até que decide se enfurnar numa cabana no Parque Nacional de Shoshone, oeste dos Estados Unidos.

O silêncio das cenas iniciais dá uma trégua antes que ela chegue a seu novo refúgio, na mercearia de Colt, um dos moradores mais antigos da cidadezinha mais próxima. O personagem de Brad Leland insiste, mas ela diz não precisar de ajuda, quer aprender por si só as regras de sobrevivência na floresta e pede-lhe um só favor, que devolva o carro alugado com que chegara.

Wright faz bom uso das passagens assinaladas no texto de Dignam e Chatham, rompendo gradualmente o silêncio da protagonista, à vontade com sua solidão e saindo-se com certa desenvoltura frente ao desafio de partir lenha e manter a ordem do casebre. Não pode viver apenas de limpeza e calor, por óbvio; então, feito por encanto, surge-lhe Miguel, um homem tão misterioso quanto ela, uma espécie de tutor, sereno, diligente, que lhe ensina a caçar esquilos e cervos. A diretora faz verossímil a conexão entre Edee e o personagem de Demián Bichir, que passa a saber do segredo que por pouco não a destruíra.

Conto de vida e cura, dor e ressurreição, Wright faz de “Um Lugar” também uma profissão de fé na resiliência e na vontade de superação de uma mulher sozinha, acostumada à queda, mas que não deixa de chorar seu luto e reinventar-se. Qualquer um que tenha passado por momento tão delicado a compreende, e até a inveja, afinal, estamos todos de passagem, mas nem por isso dispensamos um porto seguro.


Filme: Um Lugar 
Direção: Robin Wright 
Ano: 2021
Gêneros: Drama 
Nota: 8/10