Filme francês que acaba de chegar à Netflix é um dos mais engraçados e divertidos da década

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Casamento, separações, novos casamentos… Novas configurações familiares saem do armário com cada vez menos razão para temores, sem que se esqueça a velha máxima tolstoiana, aquela que diz que famílias agraciadas com harmonia e concórdia sempre são muito parecidas, e as desditosas, por outro lado, fazem de suas tragédias o atributo que as define e as torna únicas. “Que Mal Eu Fiz a Deus?” não chega a tanto; assim mesmo, Philippe de Chauveron estica a corda o quanto pode a fim de encontrar pistas que indiquem possíveis respostas para questões complexas, sem atrever-se, claro, a bater o martelo a respeito de nada.

Cronista de mão cheia das transformações sociais que desabam sobre o mundo, às vezes causando traumas difíceis de serem remediados, Chauveron faz de seu filme — o segundo da trilogia que escancara preconceitos e, a seu modo, os condena, burilando o que já começava a acontecer no filme de 2014 e perdura em “Que Mal Fizemos Todos a Deus?” (2021) — uma ode à tolerância, materializada em quatro casais tão diferentes e tão cheios de pontos em comum.

Por detrás do frontispício branco ornado com seis janelões de uma casa suntuosa, um casal de idosos faz as malas para a viagem em que vão rodar o mundo, Costa do Marfim, Argélia, China e Israel, em visita às famílias dos genros. Parece estranho — e é mesmo —, mas Claude Verneuil e a esposa, Marie, tiveram quatro filhas mulheres, e as quatro se apaixonaram e se uniram a homens de origem estrangeira, um afrodescendente, um muçulmano, um asiático e um judeu.

O diretor e Guy Laurent, seu corroteirista, tiram milhões de blagues desse universo, umas inofensivas, outras nem tanto, como quando Charles Koffi, o marido de Laure, representante da porção artística do clã, se diz contente com mais um papel de traficante com duas falas num seriado de televisão. Não por acaso, eles são os únicos a ainda não terem contraído núpcias, o que serve de um manancial à parte para as interferências sardônicas de Chauveron — e não por acaso também, Charles é o primeiro a ser ajudado quando as filhas, capitaneadas por Laure, vivida por Élodie Fontan, colocam Claude e Marie, de Chantal Lauby, contra a parede, acusando-os de indiferença com a vida que decidiram ter.

A despeito da bem-vinda discussão do casamento lésbico no fim do segundo ato, mote que sustenta boa parte do enredo até a conclusão, a improvável parceria de Christian Clavier e Noom Diawara, e depois entre Clavier e Pascal N’Zonzi na pele de André, o pai de Charles e de Viviane, a noiva interpretada por Tatiana Rojo, tem muito mais verdade. O epílogo venturoso só acontece por causa da junção desses dois velhos rabugentos, ultrapassados, caretas, mas capazes de abdicar de suas convicções pela felicidade de sua prole.


Filme: Que Mal Eu Fiz a Deus?
Direção: Philippe de Chauveron
Ano: 2019
Gêneros: Comédia/Drama
Nota: 8/10