Com Emily Blunt e Chris Evans, o filme mais aguardado de 2023 acaba de estrear na Netflix Brian Douglas / Netflix

Com Emily Blunt e Chris Evans, o filme mais aguardado de 2023 acaba de estrear na Netflix

Se o capitalismo transforma qualquer coisa em dinheiro, a indústria cultural usa histórias sobre o dinheiro e as formas mais vis de se consegui-lo em como matéria-prima de canções, programas de televisão, livros e filmes, essas duas últimas configurações decerto as mais comuns e quase sempre as mais avassaladoras.

À vontade de subir a qualquer custo, David Yates junta em “Máfia da Dor” um elemento que, surpreendentemente, passa quase despercebido em meio ao turbilhão de informações, diálogos que seguem uma cadência frenética, o fausto de cenas feitas de som, fúria e uma luz suave e calorosa: uma protagonista cada vez mais segura, crescendo minuto a minuto na tela. Numa atuação cuja irregularidade respeita a natureza da personagem, Emily Blunt é toda a graça do filme, do começo especialmente atribulado à reviravolta que leva a trama para uma outra abordagem, um tanto mais dramático, até que o final ponta para uma conclusão talvez auspiciosa.

Flórida, 2011. Liza Drake corta a estrada num dia de céu limpo, relembrando o que lhe acontece na guinada do primeiro para o segundo ato. Ela sabe que se perdeu, mas acha que teve seus motivos e, o que de fato importa, parece ter encontrado o caminho. O roteirista Wells Tower sugere o que pode ter se passado com Liza, cuja vida já fora escrutinada por Evan Hughes em “The Hard Sell: Crime and Punishment at an Opioid Startup” (“a venda difícil: crime e punição em uma startup de opioides”, em tradução literal), até que a narração é bruscamente interrompida por um sujeito num terno bem-cortado, que adverte que não vai suavizar o que os dois fizeram.

Yates aproveita Blunt o quanto pode, e aos poucos consegue fazer com que Chris Evans também chegue à plenitude de seu desempenho. Mormente nessa introdução cativante, o enredo gira em torno das figuras de Liza e Pete Brenner, os dois trambiqueiros que se conhecem no inferninho onde a moça trabalha como stripper. É lá onde os dois se conhecem e ele identifica nela um talento que decerto ninguém mais enxergou, e de uma forma que só seria possível naquele lugar. Brenner precisa de alguém desinibido o bastante para convencer investidores de todos os perfis a botar uma fortuna na Zanna, uma startup de saúde representada por ele, apostando alto no fentanil, um composto ministrado no tratamento de dores crônicas.

Vendido sob o nome comercial de Lonafen, o medicamento burla o FDA, o órgão da administração pública americana responsável por proteger a saúde pública e fiscalizar remédios e alimentos, ao anunciar uma concentração muito menor de morfina do que aquela usada, o que o leva a ser usado até para dores de cabeça. Como resultado, milhões de pacientes se tornaram viciados na nova droga, e a Zanna, de à beira da falência vira uma das corporações mais poderosas do segmento farmacêutico.

Depois de destrinchado o apogeu da empresa — e, por conseguinte, a súbita ascensão social de Liza e Brenner —, “Máfia da Dor” revela com o mesmo ímpeto a debacle dos personagens de Blunt e Evans, nessa ordem, com destaque para o núcleo familiar da anti-heroína, mãe solteira de Phoebe, de Chloe Coleman, e tendo de também sustentar a mãe, Jackie, respiro cômico possível com a ótima Catherine O’Hara. O final parece feliz, mas engana. Como a indústria de fármacos dos Estados Unidos.


Filme: Máfia da Dor
Direção: David Yates
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Crime 
Nota: 8/10