Sullivan & Massadas são melhores do que Lennon & McCartney

Sullivan & Massadas são melhores do que Lennon & McCartney

Conversa de botequim quase sempre rende risos, diversão e algum grau de leviandade. Cansado da dicotomia entre Deus e o Diabo, Lula e Bolsonaro, Pepsi e Coca-Cola, doido para criar polêmica durante a happy hour, Roberto Planta, o vocalista fanho, soltou a seguinte enquete entre os companheiros de banda: “Quem é melhor: Fullivan & Mafadas ou Lennon & McCartney?”

— Roberto & Erasmo — interveio Calcinha, o roadie da banda, o cara avoado que cuidava da primária logística gastronômica da “Desencontro de Bambas”, uma banda desconhecida do grande público e do pequeno também que se restringia desde sempre aos saraus etílicos realizados mensalmente na casa de algum dos integrantes, após prévia autorização das patroas. Manda quem pode, obedece quem tem juízo.

— Sua resposta está totalmente fora de contexto, Calcinha. Não mete Roberto e Erasmo nisso, eles são intocáveis — reclamou Alexandre Alface, o black vocal da banda, um afro-dependente das piadas sobre brancos mal dotados de cognição.

— Fico com Sullivan & Massadas — respondeu Ebinho Mata-égua, violonista teimoso que tocava muito, um dia inteiro, se lhe fosse permitido; um autodidata de equívocos, um músico amador experimentado na mesmice, que conhecia ao menos seis acordes — três maiores e três menores — com os quais tocava praticamente todo o cancioneiro já produzido pelo ser humano e pela famigerada Inteligência Artificial.

— Sigo o relator. Além do mais, Sullivan & Massadas são artigo nacional — completou Sílvio Privada, um ex-bolsonarista terrivelmente arrependido que, motivado pelos óbvios refluxos gástricos, fora escolhido pelos demais componentes da banda para permanecer de bico calado, enquanto se esbaldava nos mais variados instrumentos de percussão, que iam da caixa de fósforos até a bateria.

— Não dá para comparar Lennon & McCartney com esses caras. Os Beatles são a melhor banda que já existiu na face da Terra — argumentou José Gavinha, que não tocava porra nenhuma, mas, divertia os colegas com fake News, teorias da conspiração e respostas longas, prolixas, empoladas, de veracidade sempre questionável.

— Proponho que a gente volte a cantar e deixe de lado essa discussão infrutífera — sugeriu, Alexandre Alface, enquanto mastigava um disco de carne prensado pela Polygram nos anos 1990.

— Nada difo. O tema é relevante. Provarei a vofês, por à + B, que a dupla bravileira é melhor do que a dupla ingleva — insistiu Roberto Planta, completando o copo americano com cerveja tupiniquim de qualidade duvidosa.

— Não diga bobagem, Planta. Lennon & McCartney são mais famosos do que Jesus Cristo — comentou Calcinha, o único integrante ateu da banda que possuía uma fita-demo gravada pelo capeta em pessoa.

— Não me venha com herevia, Calfinha. Acontefe que o mundo nunca foube da evistência dos “Fevers” — completou Roberto Planta, com a voz já embargada pelo cansaço, já amolecida pelo efeito do álcool, já danificada pela fumaça do palheiro.

— O que os “Fevers” têm a ver com essa história, Roberto? — brincou José Gavinha, enquanto aspirava carreiras de rapé Berra Bode.

— Michael Fullivan foi vocalista dos “Fevers” durante muito tempo. A humanidade fequer fabia o que estava perdendo — insistiu Planta, claramente empolgado com a interminável resenha.

— Lennon & McCartney compuseram duzentas canções de sucesso, meu chapa — provocou Gavinha, entre pigarros e espirros.

— Fullivan & Mafadas fiveram mais de setefentas. Muito mais do que os Garotos de Liverpool — debochou Roberto Planta.

— Lennon & McCartney produziram juntos durante longevos dez anos, uma baita parceria, meu — insistiu Calcinha.

— Espera aí, gente. Deixa pesquisar no dicionário o significado de “longevos” — escarneceu Sílvio Privada, que nunca mais tinha lido um livro desde o vestibular de 1983.

— Fullivan & Mafadas ficaram unidos por devenove anos; um recorde, um fenômeno da múvica popular bravileira, meu velho — retrucou Roberto Planta, cheio de razão.

— Quem vendeu mais discos, moçada? — perguntou Alexandre Alface.

— Se vofê confiderar todos os grandes intérpretes da MPB que grafaram Fullivan & Mafadas, eles dão de capote em Lennon & McCartney, pode acreditar — afirmou Roberto Planta.

— John e Paul criaram pérolas inestimáveis, como “Yesterday” e “Let it be”. Não tem como comparar, meu irmão — disse Sílvio Privada, atraindo para o ambiente uma nuvem de moscas de banana interessadas nas suas palavras.

— Prefiro “Me dê motivo” e “Um dia de domingo”. Ficaram um brinco na foz do Fim Maia — cravou Roberto Planta.

— “Wisky a Go Go”, com o Roupa Nova, é simplesmente insuportável — brincou Calcinha.

— É insuportável, mas, tocou mais de uma vez no dia do seu casamento que eu me lembro muito bem — provocou José Gavinha.

— Pessoal, proponho que a gente encerre esse assunto por aqui. Não importa quem seja melhor. Isso não paga os nossos boletos. Fim de papo. Encham os seus copos, peguem os seus instrumentos e vamos tocar mais uma — sugeriu Alexandre Alface, catando o prato esmaltado e a colher de sopa.

— Proponho recomeçarmos com “All my loving”, de Lennon & McCartney — disse Sílvio Privada, mais rápido que o evacuar de um pombo na Praça da Sé.

— Prefiro “Deslives”, de Fullivan & Mafadas — interveio Roberto Planta, inconformado com o fim repentino do imbróglio.

— Mas, “Deslizes” não é de autoria do Fagner, Roberto? — perguntou Edinho Mata-égua, legitimamente confuso com a informação.

— Não. Não é do Fagner. “Deslives” é mais um dentre os incontáveis sucefos de Fullivan & Mafadas, a melhor dupla de compovitores de todos os tempos — corrigiu Roberto Planta, no auge da idolatria.

— Que tal a gente cantar uma do Roberto & Erasmo, só pra variar? — sugeriu José Gavinha, que nem cantar sabia.

— Duro vai ser escolher. Os dois têm mais de mil composições. Só sucessos — argumentou Mata-égua.

— A gente fode votar, uai. Fico com “Cavalgada” — comentou Roberto Planta, sempre competitivo.

— Será que a história da perna mecânica é verdadeira? — troçou Alexandre Alface, tentando mudar de assunto.

— Podemos largar mão do Roberto & Erasmo e cantar outra do Benito de Paula. Ele é foda — ponderou Sílvio Privada.

— Acho o Venito de Paula melhor do que Elfon John — disse Roberto Planta, tomado de ufanismo e de embriaguez.

Todos gargalharam e o sarau continuou mais divertido e mais desencontrado do que nunca, regado à cerveja gelada, à conversa fiada e nem um pio a respeito da carnificina entre o Hamas e o governo de Israel. O mundo continuava triste, injusto, insano e distante de uma solução plausível. Só a música e a controvérsia redimiam os homens pacíficos providos de um senso de humor aguçado.