Obra-prima de Wes Anderson e o mais belo filme de 2023, acaba de estrear na Netflix Divulgação / Netflix

Obra-prima de Wes Anderson e o mais belo filme de 2023, acaba de estrear na Netflix

Wes Anderson é magia pura. Poucos cineastas são capazes de emular o sonho da forma como possivelmente desponta nos meandros do inconsciente de cada um e assim chegar ao resultado mais próximo do que se poderia chamar de realidade onírica, indo muito além do delírio, da imaginação, da fantasia. A faculdade de conceber outras terras, outros mundos e, claro, pessoas adequadamente estranhas a fim de os habitar é um valioso predicado artístico que Anderson foi burilando ao longo de quase três décadas de carreira, e em “A Incrível História de Henry Sugar” o diretor exercita a veia tragicômica sem prejuízo das confabulações que vai erigindo em torno de um personagem bastante peculiar, como ele também dotado de um talento algo metafísico.

Este talvez seja seu trabalho mais autoral, mesmo que a adaptação de uma narrativa literária publicada há mais de quarenta anos. Publicado em 1977, o conto homônimo do britânico Roald Dahl (1916-1990) no qual o filme se baseia fala de um sexagenário capaz de ver sem a necessidade de usar os olhos, o que Anderson, sempre soube.

Um homem apruma-se na poltrona, aponta meia dúzia de lápis e começa a escrever, narrando o que vai se ver ao longo de módicos (mas precisos) 39 minutos. Ralph Fiennes serve de mestre de cerimônias a um carrossel de tipos extravagantes, e por sua boca o espectador fica conhecendo o tal Henry Sugar cuja trama maravilhosa refere-se ao que vai expor à audiência acerca da vida de outro homem, não da sua própria. A linguagem teatral, com cenários plenos de cor que sobem e descem e deslizam de um para o outro lado, é a grande joia da equipe liderada por Kevin Timon Hill, recurso que o texto de Anderson aproveita com todo o critério.

Quando é o momento de detalhar o enredo, afinal, a ação sai da cabana onde está Fiennes e renasce num consultório de pronto-socorro, onde descansam Chaterjee e Marshall. Imdad Khan, o velho sessentão que aparenta muito mais, cabelos e bigodes alvos e desgrenhados e um proeminente tufo de pelos na entrada do orifício auricular, interrompe a pausa dos jovens médicos vividos por Dev Patel e Richard Ayoade para dizer que desde garoto e capaz de captar imagens sem o uso do globo ocular. A partir de então, “A Incrível História de Henry Sugar” envereda pelo mistério de Khan, principiando por suas experiências sobrenaturais com um guru na Índia de 1890, quando tinha 17 anos, até que, vinte anos depois, estava apto a se apresentar também como um xamã evoluído como nenhum outro ser humano conseguira até ali.

Ben Kingsley e Benedict Cumberbatch dominam a cena em paralelo, cada qual a seu tempo e em modulações distintas, mas complementares, levando o relato de Dahl à sofisticação filosófica que se espera, e admirável assim mesmo. O tropo da nobreza espiritual, que Henry Sugar pensa que alcança, vem embalada no papel fino brilhante como só mesmo Anderson faria, excêntrico e transparente, com requinte e sem afetação.


Filme: A Incrível História de Henry Sugar
Direção: Wes Anderson 
Ano: 2023
Gêneros: Comédia/Fantasia 
Nota: 10