Prepare-se para o terror: um dos melhores filmes do momento acaba de chegar à Netflix Divulgação / Sunrise Films

Prepare-se para o terror: um dos melhores filmes do momento acaba de chegar à Netflix

O respeito às diferenças é a pedra fundamental de qualquer sociedade que se queira civilizada. Baseando-se nessa premissa, nações do mundo todo atravessam o tempo conservando-se íntegras, coesas diante das vicissitudes que atacam as democracias desde sempre, enquanto ainda reúnem ânimo para inspirar em sua gente o desejo de ir um pouco mais além e a necessidade de jamais se conformar com nada menos que o justo. Foi assim que se fizeram as potências que se cristalizaram como verdadeiramente grandes entre o fim do século 20 e a primeira década do século 21 — salvo uma muito curiosa exceção —, cada uma exemplo do que a humanidade pode ter de melhor. Porém, “O Acusado” mostra um obstáculo um tanto previsível para a consolidação das liberdades individuais, drama escandalosamente perigoso sobretudo nestes últimos 22 anos, depois dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Para certas pessoas, ficou muito mais difícil passar despercebida e, pior, é quase certo que sejam submetidas a ultrajes e perseguições apenas por detalhes fenotípicos, como a pele um pouco mais escura ou uma barba hirsuta demais, para não falar, claro, no mundo como se vestem, no idioma em que foram educados, na fé que professam. Philip Barantini capta essa instabilidade tão própria do espírito do nosso tempo e a imprime em seu trabalho, marcando posição quanto a defender os valores civilizatórios que freia nosso ímpeto de voltar à era em que resolvíamos nossas diferenças com a ajuda de tacapes e lanças.

É impossível não enxergar em histórias como essa um vento leve de Albert Camus (1906-1976), soprando na direção contrária. Harri Bhavsar não é indiferente ao que pensam a seu respeito, como faz o protagonista do consagrado romance do franco-argelino, até porque se fosse, muito do roteiro de Barnaby Boulton e James Cummings perderia a razão de ser. Harri é uma daquelas almas sensíveis, cada vez mais raras, descobrindo aos poucos a infinita maldade que pode haver no coração dos homens ao passo que tenta não se envenenar, e à medida que o enredo se desdobra, pronunciam-se as diferenças que distinguem o trabalho de Barantini do livro de Camus, ou do filme de Luchino Visconti (1906-1976). Depois de três felizes temporadas de “Sex Education” (2019), a série em que Laurie Nunn trata de descobertas nada pacíficas de adolescentes aparentemente esclarecidos quanto a sua sexualidade, Chaneil Kular conquista o merecido espaço e dá vida a um papel verdadeiramente dramático e trágico em seu simbolismo. Os estudados planos-sequências, mormente na introdução, acompanham a rotina banal de Harri, deslocando-se subúrbio para o centro de Londres de metrô, e já na plataforma, antes do embarque, uma cena muito rápida, quase volátil, dá a tônica do filme. Dentro do vagão, os celulares de todos os passageiros disparam mensagens de alerta sobre uma explosão uma parada depois.

Barantini deixa “O Acusado” flutuando numa nuvem densa de angústia que vem do personagem central para o espectador, e ainda que o desfecho seja auspicioso na medida do possível, o calvário de Harri ao longo de magra hora e meia é para lá de convincente. Barantini e seu protagonista oferecem um belo espetáculo, ainda que sucinto demais. Por sua versatilidade, Kular tem um grande futuro no cinema; só espero que possa ser também um galãzão daqueles, como todos os moços anglo-saxões o são. 


Filme: O Acusado
Direção: Philip Barantini
Ano: 2023
Gêneros: Suspense
Nota: 8/10