Sentimentos de melancolia análogos à tristeza

Sentimentos de melancolia análogos à tristeza

O pensar me escraviza. Eu não cheiro, nem fedo. Eu não sou alto, nem baixo, nem gordo, nem magro, nem feio, nem bonito, nem careta, nem libertino. Sou menos livre do que um menino. Um homem destro com suaves desatinos à esquerda. Eu sofro de insônia, enquanto, sonho com paz na Terra, justiça social e arroz sem lentilhas. Iludidos, os meus olhos são duas ilhas que se tornaram baças, adquirindo um matiz neutro, do tipo nem claro, nem escuro, nem morto, nem vivo, nem alegre, nem triste, um mistério imbricadíssimo até mesmo para uma falecida poetisa decifrar. Eu gosto de bar. Eu gosto de cantar no chuveiro e de molhar chavasca com conversa fiada. Irrito-me com facilidade e escrevo como se tivesse cem anos. Com exceção da idade, eu peso setenta e dois quilos na sombra. De sobra, eu gosto de chuva e eu gosto de sol. Eu ainda escuto bossa nova, apito de trem e o canto da passarinhada que visita o meu quintal, dentre outros gêneros musicais em franca decadência. Tá difícil de manter a malemolência. Amanheci mais maçante do que um pastor terrivelmente diabólico aplicando golpes numa parada do ônibus. O meu novo normal é aquela velha neurastenia. Todas as gavetas, todos os quartos, todo o pó acumulado nas sinapses ao longo do tempo ficaram enfadonhos e antiquados. Aqui em casa ainda dependuramos retratos nas paredes e todos concordam que o rock and roll nunca vai morrer. Mesmo assim, não creio na música após a morte. Elvis bateu as patacas e isso é tudo. Nada de mar navegável ocupando os meus cânions mais profundos. Meu crânio lateja fadigado. Digo não muito obrigado, ainda é cedo para tantas reflexões existencialistas. Sinto-me do meio-dia para tarde. Tudo é uma questão de trempe: a minha batata está assando e não tem visão magnífica de um quadril que ocupe tamanho espaço vazio. De menos chover, a chuva já virou estio. Só me resta zombar do recrudescente estado de melancolia. Desço por uma longa avenida sem esquinas, fugindo esbaforido do carrinho de rolimã do tempo, prestes a me atropelar pelas costas. Deixou de ser uma brincadeira de criança para virar uma ameaça. Uma vida só já me basta. Lembro-me de acreditar em reencarnação, pirâmides, telepatia, viagem astral, almas gêmeas e Cultura Racional quando completei quinze anos. Ah, que saudade de nada. A ingenuidade foi sendo abortada pelas provas trimestrais do Ensino Médio, culminando nos infernos vestibulares. Na média, em matéria de solitude e de gramática, sou um sujeito sem grandes predicados. Notem só que lástima: eu calçava 41; hoje, calço 39. De acordo com os meus cálculos, os meus pés com dedos de unhas quebradiças estão encolhendo a passos largos. Deve ser pelo cansaço de me levarem a lugar algum que me faça sentir mais realizado do que um par de sapatos velhos. Por falar em trajetória, “Sapato velho” é a canção mais bonita que o Roupa Nova já gravou. Dizem que é uma banda pop que nada tem a ver com o rock. Mas, isso é só uma questão de opinião e de gosto, como levar a vida na flauta, flutuar pela sala ou se desmantelar de desgosto. Que diabo! Hoje eu me sinto tão aziago quanto ouvir “Wisky a go go” — do Roupa Nova — num baile de formatura. Ah… A vida é doce, mas, é dura.