Machado de Assis? Quem diabo é Machado de Assis?

Machado de Assis? Quem diabo é Machado de Assis?

Um dia você acorda, vai tomar seu chá em companhia de Mariana, ou Maria Amélia, e comenta casualmente, antes de levar a chávena aos lábios, e sem que saiba exatamente de onde veio o lampejo: “Olha, quer saber, já formei opinião — acho que Capitu traiu, sim”, e Maria Amélia, ou Mariana, retruca “Capitu? Que Capitu?” Você fica na dúvida entre abismar-se com a ignorância literária de sua companheira ou zombar dela, mas de repente se dá conta — é mesmo, que Capitu?”

Então seu cérebro se congestiona com um repentino formigamento que lhe faz intuir-se ludibriado: você sonhou. É, sonho. Toda a gama de motes, narrativas, contos, romances — que romances! —, a aura de cada um dos personagens e sugestões machadianas, dos versos ingênuos de “Crisálidas” à placidez outonal de “Memorial de Aires”: você sonhou, sonhou com tal consistência e intensidade que acordou tomado distraidamente pela certeza de que todo esse arcabouço se estendia para um século e meio antes e uma manhã depois da noite de ontem, cristalizando-se na História.

Não. Em lugar algum a não ser em sua mente esse emaranhado épico se desnovelou. Tudo se comprimiu em um prosaico sonho. E você tem que ser rápido nas lembranças senão os registros se diluem — sabe como é sonho. Helena, a doce bastarda; as aspirações desencantadas de Brás Cubas; as inúmeras e dúbias camadas de Dom Casturro, digo Camuso, Cas… como era mesmo o nome? Tudo começa a se evaporar. Como tantas referências puderam caber em seu sonho? Couberam, ora. Talvez excesso de leitura de Shakespeare, Xavier de Maistre e Laurence Stern para o seu TCC. Sim, de volta ao mundo dos acordados você se lembra de que a literatura brasileira passou dos naturalistas aos modernistas sem que houvesse um, como é o nome mesmo, Machado, Machado… de Assis. Você até anota no guardanapo para não esquecer.

Não, jamais houve um autor brasileiro conhecido e consagrado mundialmente, por nomes como Helen Caldwell, Harold Bloom ou Susan Sontag (claro, você confere afobadamente no Google do celular — vai saber? — e estes de fato existiram; só nunca ouviram falar dele). Neste ponto você, agora totalmente desperto e recuperado, lê o nome no guardanapo e quase ri do poder de elaboração onomástica do seu cérebro: M-a-c-h-a-d-o-d-e-A-s-s-i-s. Que nome inusitado. Como fui inventar isso?

Então Mariana, ou Maria Amélia, lhe lembra que seu chá está esfriando.