Um Artista do Seu Tempo, de José Fábio da Silva

Um Artista do Seu Tempo, de José Fábio da Silva

É para se colocar na prateleira das maravilhas o romance “Um Artista de Seu Tempo”, de José Fábio da Silva, pelo Selo Naduk, da negalilu editora (2022). É distópico, interessante, mistura ficção científica com realidade, prende a atenção, é recheado ironias e exige acuidade do leitor para acompanhar e destrinchar o enredo, que é recheado de muitas estórias que, pouco a pouco, vão se conectando. Eu o li no original, fazendo uma primeira revisão, em um momento meio covid e meio dengue e quase embarquei, ou melhor, embarquei no desenredo, fazendo um esforço estupendo para acompanhar a criatividade do autor (ainda mais eu que sou um emérito cabeça de vento).

Jose Fabio da Silva
Um Artista do Seu Tempo, de José Fábio da Silva (Naduk/Negalilu, 256 páginas)

Precisei reler o livro agora, para degustar um pouco mais o enredo que viaja de um lugar para o outro, viaja no tempo, viaja nos entremeios, viaja nos entrelaçamentos e só não viaja na maionese. As estórias parecem não fazer sentido e o leitor começa a imaginar aonde o autor quer chegar e fica torcendo para ele se perder no tanto de gente envolvida e na monstruosa criatividade. Tem história de um galináceo gigante, pra mais de metro, que fala, e, mais, raciocina melhor que muita gente. E também coisas do outro mundo, com naves e seus extraterrestres e seus detalhes escalafobéticos e estrambóticos.  O tempo vai e volta, as pessoas vão e voltam, as estórias se misturam e a gente fica meio doida querendo saber o que passou pela cabeça do doido do José Fábio, que, de tão doido, é genial.

Além do mais, ele é exímio contador de estórias, escreve simples e fácil, que faz um pingo virar letra na imaginação de qualquer entendedor. É um livro pelo qual você não passa ileso, nem mesmo o cara aqui que é meio leso, visto que lhe convida para uma dança de concatenação, insinua situações e não tem pudor algum com a esculhambação e o escrachamento. Se você tem pudor, não leia, porque o autor não mede as consequências, para o gáudio e o deleite de quem não está nem aí pra paçoca.

Vou pegar uns exemplos, poucos, para não cansar, e vocês terão uma noção da coisa. A ironia: “Salvador, ex-político profissional de suposta origem humilde e moralista convicto, sempre apelava para os valores da amizade, embora tratasse todos como subalternos. Ambos se permitiram, vez ou outra, discutir superficialidades. Como pessoas bem-sucedidas, sentiam-se no direito de destilar filosofia barata como se fosse grande coisa”. Uma dúvida cruel: “Só não pulou da ponte por achar que tal decisão não cabia a ele. Deixou de lado a dor da escolha. Ou escolheu não escolher. Ou escolheu e não quis admitir a escolha. Não deixou de lado a dor da escolha”.

Ou o sarcasmo: “Por isso, defendia que a verdadeira felicidade humana não estava no dinheiro. Ele era a prova disso: tinha muito dinheiro e não era feliz. Luci, ao contrário, acreditava que era feliz justamente porque tinha dinheiro”. Constatação filosófica de um crápula esclarecido: “Não pretendia mais voltar a morar nas ruas, mas decidiu que não correria mais atrás do sucesso. Mesmo porque ele se dera conta de que nem sabia se de fato o sucesso era uma corrida”. São passagens que retirei das falas e ou situações vividas pelos diversificados personagens, que geralmente não têm escrúpulos ou quando têm são meio dessintonizados.

A edição está muito bem-feita e o prefácio intitulado ‘O livro que Destruiu a Humanidade‘, do professor da UEG Ademir Luiz, é de tirar pica-pau do oco. Entre outras e algumas coisas, ele diz que o futuro da humanidade depende da não publicação do livro. Para vocês verem que não sou só eu que digo que esse livro é perigosíssimo. Ele diz ainda: “Em alguns anos, o imenso sucesso de Um artista de seu tempo vai gerar não apenas leitores casuais ou fãs ardorosos, mas uma legião de fanáticos fundamentalistas conhecidos como ‘fabistas’”.

Sobre o autor, é bom deixar que ele mesmo se apresente, o que dá a dimensão do quão escalafobético ele é, para dizer o mínimo: “José Fábio da Silva é estoriador e hiscritor. Nasceu no ano das Diretas Já, fato histórico importante que, assim como a Inconfidência Mineira e o cara do Super-Homem, nasceu póstumo. Tem um senso de humor duvidoso e o dom de falar a coisa certa na hora errada. É do signo de Peixes (adendo meu: como eu) e os prefere fritos, acompanhado de uma cerveja barata”.

Eu, se fosse você, compraria e leria, que é melhor que ganhar na loteria. Se é eu não sei (acho até que não), mas que rimou, rimou.