Aclamado pela crítica, obra-prima na Netflix é uma joia para o coração que vai transformar sua maneira de ver a vida Divulgação / Each Other Film

Aclamado pela crítica, obra-prima na Netflix é uma joia para o coração que vai transformar sua maneira de ver a vida

Enquanto a sociedade interfere completamente no corpo e nas escolhas das mulheres, homens vivem livres para praticar seu aborto paterno e negligenciar suas responsabilidades familiares. “Mulheres Ocultas”, belíssimo drama geracional taiwanês, analisa uma complexa relação familiar a partir da morte de um homem que abandonou sua casa para viver com outra pessoa. A crônica universal e atemporal dirigida por Joseph Chen-Chieh Hsu, foi coescrita com Maya Huang e lançada em 2020. A razão por ser uma história tão comovente se dá pela força de seu realismo e senso de  identificação, além de seus personagens tão viscerais e ramificados.

Bochang é um pai ausente, que desapareceu de sua família há muitos anos para recomeçar do zero com uma segunda esposa e se isentar de suas responsabilidades com a primeira. Quando reaparece, está no hospital, em estado terminal. A mulher ao seu lado é Tsai (Ning Ding), com quem compartilhou os últimos 10 anos de sua vida. Sua morte, ironicamente, ocorre no dia do aniversário da esposa que deixou para trás, Lin Shoying (Shu-Fang Chen).

Ao ser questionada se gostaria de cancelar a grande festa que havia organizado, Shoying emite uma resposta precisa e ressentida: “A última vez que o vi foi há 10 anos. Quando reaparece, morre. Ele não se cansa de incomodar”. Parece dura demais a frase da matriarca, mas conforme o longa-metragem se desenrola, compreendemos as mágoas e angústias nas quais Shoying teve que enfrentar por conta do marido, um mulherengo irresponsável, que arruinou o próprio pai e abandonou a mulher e as filhas. Como consequência de quem ele foi e do que fez, Shoying e suas meninas, Jiajia (Ke-Fang Sun), Ching (Ying-Hsuan Hsieh) e Yu (Vivian Hsu) foram excluídas por seus familiares, além de terem entre elas próprias uma relação cheia de dores e desentendimentos e serem pessoas com feridas e traumas profundos.

A rejeição parental é obviamente muita dolorosa para os filhos. Ela faz com que eles busquem, incansavelmente, reconquistar o pai ou mãe perdido e se culpar pelo abandono. Yu representa muito bem isso. Médica e bem-sucedida, durante toda sua adolescência ela se esforçou para ser uma aluna exemplar e empilhar seu quarto com medalhas e troféus, na expectativa de que seu sucesso fizesse o pai se orgulhar o bastante para voltar para casa.

Ching é a filha rebelde, que quer o divórcio do marido a quem traiu durante anos, mesmo ele tendo cuidado dela durante todo o tempo que sofreu com um grave câncer. Constantemente comparada ao pai, Ching descobre que seu tumor voltou e que agora ela está na fase definitiva de sua doença, que a permitirá apenas mais cinco anos de vida. Jiajia é a que mora com a mãe e toma conta do restaurante que Shoying abriu para sustentar a família. Ela culpa a mãe por não ter feito universidade e por ter que seguir seus passos, como se tivessem sido impostos a ela.

Na realidade, o controle assumido por Shoying, após o abandono do marido, fez com que todos a encarassem como uma mulher ríspida e controladora. Enquanto tentava sobreviver às adversidades, sustentar sozinha a própria casa e cuidar das três filhas, ela, muitas vezes, foi vista como a culpada pela partida de Bochang.

Quando ela e Tsai se confrontam, percebem que não são adversárias, mas duas mulheres que amaram, cada uma ao seu modo e no seu tempo, Bochang, apesar dele ser quem era. Compreendendo suas jornadas e lutas, elas podem finalmente dissipar as tensões que repousam sobre sua relação.

Mesmo com todas as mágoas existentes, Shoying e suas filhas sofrem com a morte de Bochang. Há um luto pelo falecimento do pai, embora ele tenha partido da vida delas muitos anos antes. O enredo gira em torno desse enfrentamento ao luto e da aceitação da vida que o marido e pai escolheu ter. Mas não são elas que orbitam em torno do universo masculino de Bochang, mas o inverso. Vemos como ele quem navegou pela vida dessas mulheres, cada uma com uma história rica e intricada e no controle de seus próprios destinos.


Filme: Mulheres Ocultas
Direção: Joseph Chen-Chieh Hsu
Ano: 2020
Gênero: Drama
Nota: 10