A criminalidade explode como nunca no século 21, mas carnificinas como as registradas em “Vingança Entre Assassinos” permanecem a salvo das estatísticas quiçá para sempre. Parece um absurdo sem par se supor que ricaços mundo afora reúnam-se ao termo de um ciclo de sete anos a fim de dispor da vida e da morte de infelizes encarados por eles como bestas humanas, tal qual os gladiadores romanos a partir da ascensão de Marco Aurélio (121-180), cada um armado de um motivo bastante forte — e assim mesmo inadmissível — para apostar a própria pele por uma montanha de dinheiro. Contudo, atenta um tanto mais contra todos os valores civilizatórios, a moral, a própria natureza perturbada do homem que para essas pessoas, no fundo, o dinheiro logo nem faça mais tanta diferença e o que predomine de verdade seja uma devotada repulsa — à civilização, a qualquer ideia de princípio, à vida ela mesma. Sem que as autoridades tomem conhecimento, na melhor das hipóteses, ou com seu silêncio conivente, na pior.
Esses pugnadores da era contemporânea entram e saem de cena numa velocidade quase inalcançável, rodando o planeta e comprometendo-se a estar onde determinam os bilionários que patrocinam o torneio citado no título original do primeiro longa solo do britânico Scott Mann, que soube muito aproveitar todas as chances para levar à tela seu talento precoce. Com o roteiro assinado por Gary Young, Jonathan Frank e Nick Rowntree — com este último, Mann codirigiu “Down Amongst the Dead Men” (2005) —, “Vingança Entre Assassinos” não se estende o quão deveria na sátira político-policial, mas compensa a falta os engenhosos argumentos sobre redenção, mudança de vida e, claro, reparação de um grave labéu na virada do segundo para o terceiro ato. Enquanto isso, o público se diverte com a maneira como o diretor encaminha os preparativos para a nova caçada que se avizinha, remontando a imagens de um circuito fechado de televisão, chapadas em preto e branco, para explicar o que se passara na competição anterior. Num tal Abatedouro Shirao, no Brasil, Joshua Harlow sobrepujara o derradeiro adversário e sagrara-se o campeão. Ving Rhames encarna Harlow sem nenhum sinal dos respiros cômicos com que tempera seus personagens, muito menos algum possível traço da doçura que cai tão bem como contraponto de seu físico de gigante, a exemplo do que faz com o Luther Stickell da franquia “Missão: Impossível”, ou em seus trabalhos como dublador em animações como “Lilo e Stitch” (2002), de Chris Sanders e Dean DeBlois. O assassino profissional que passa por cima de seus oponentes sem qualquer remorso já havia se retirado do concurso e desfrutava de uma aposentadoria confortável, até que uma grande desdita o colhe e agora só lhe interessa acertar as contas com o responsável. Essa é a deixa para que entrem na história os outros matadores, com destaque para Lai Lai Zhen, de Kelly Hu, a primeira a sentir a fúria dos adversários, ainda no quarto 107 do hotel Ivy House, onde se hospeda.
Mann ata os tipos incorporados por Rhames e Hu de modo a surpreender o espectador com duas guinadas de um enredo que decerto flerta com o óbvio, mas desvencilha-se dele na undécima hora. Antes disso, o padre MacAvoy, de Robert Carlyle, alcoólatra e perdido, como ele mesmo reconhece, acena para bons momentos de reflexão — isso quando consegue se esquivar dos golpes e das cascatas de sangue alheio — e mesmo para um antirromance com Zhen, que, lastimavelmente, não vinga. É difícil a vida dos facínoras.
Filme: Vingança Entre Assassinos
Direção: Scott Mann
Ano: 2009
Gêneros: Ação/Thriller
Nota: 8/10