Novo suspense de ação da Netflix para quem gostou de John Wick e Kill Bill Divulgação / Netflix

Novo suspense de ação da Netflix para quem gostou de John Wick e Kill Bill

Mesmo com esse nome, “Kill Boksoon”, o drama de Byun Sung-hyun sobre uma família tão pequena quanto anticonvencional, tem personalidade. A influência óbvia do Tarantino de “Kill Bill”, a trilogia centrada na descompensação mental de uma mulher humilhada pelo noivo e espinafrada pela vida, deixa-se flagrar sem cerimônia, decerto, mormente na introdução, mas o sul-coreano sabe exatamente o que fazer para escapar da armadilha do remake involuntário. Despretensiosamente, a narrativa esbarra aqui e ali numa alusão um pouco menos sutil ao trabalho do americano, muito mais na forma que no conteúdo; no entanto, a própria história se encarrega de apontar o que a distingue, ajudada pelo desempenho sem par das duas protagonistas, sem dúvida o ponto alto do filme.

O diretor-roteirista explora uma das grandes neuras das sociedades contemporâneas sem medo da patrulha do politicamente correto, cujo cerco fica cada vez mais sufocante, em especial num tema que desperta suscetibilidades ora com justiça, ora apenas inconsequentes e hipócritas. Por alguma razão que Byun deixa no ar, Gil Boksoon começa a ganhar a vida como assassina de aluguel, vai ficando, se destacando, prospera e… torna-se mãe. Aparentando muito menos que seus cinquenta anos recém-completados, Jeon Do-yeon dá vida a uma mulher displicentemente sedutora, refinada, interessada em decoração de interiores e moda — isto é, sem nada que a vincule a seu ofício. Logo na abertura, o diretor trata de liquefazer qualquer errônea impressão sobre um pretenso desajuste de Boksoon ao meio em que se desenvolveu realçando a frieza com que despacha um tal Oda Shinichiro, a encomenda da vez, cenas das mais perturbadoras do cinema coreano, ainda que suavizada pelo chiste metalinguístico — e Yeon Sang-ho, o diretor de “Invasão Zumbi” (2016) haveria de aquiescer. A forma como Jeon consegue equilibrar as duas personalidades (que degringola em muitas mais) de sua anti-heroína é um dos melhores elementos de “Kill Boksoon”, até que ganha força o contraponto que deixa o enredo muito mais disperso, para a sorte do público.

Lee Yeon incorpora a rebelde com todas as causas, a princípio em episódios banais, como deixar pelo chão do suntuoso apartamento onde mora com a mãe o maço de cigarros, para que Boksoon saiba que ela fuma, ou estar sempre a cobrar atenção, uma atenção que não tem para com quem quer que seja, nem para consigo própria. Na virada do segundo para o terceiro ato, Kim Yeong-ji tem uma espécie de revelação sobre sua triste figura e pouco depois vem à baila a vida dupla da mãe e seus múltiplos desdobramentos, tanto para uma como para a outra. É quando Byun libera toda a carga de tensão e violência que ainda poderia estar poupando, sem abdicar das desventuras da maternidade como pano de fundo.


Filme: Kill Boksoon
Direção: Byun Sung-hyun
Ano: 2023
Gênero: Ação/Drama
Nota: 8/10