Filme existencial brasileiro na Netflix é um exercício para cérebro Divulgação / Girafa Filmes

Filme existencial brasileiro na Netflix é um exercício para cérebro

Um filme brasileiro de Lina Chamie, “Os Amigos”, lançado em 2013, fala sobre amizade. Marco Ricca interpreta Théo, um arquiteto na casa dos 40 e que acaba de perder o melhor amigo de infância, Juliano (Otávio Martins), para uma doença terminal. Embora tenha ficado muitos anos sem vê-lo, a morte tem um grande impacto sobre Théo e o faz ter lembranças da infância e a refletir sobre o sentido da vida.

Solteiro e solitário, Théo tem uma melhor amiga, Majú (Dira Paes), uma mãe desquitada que está sempre ligando para ele para contar sobre sua relação com o ex-marido, para lhe dar ou procurar conselhos e tentar alcovitá-lo com alguma mulher, na esperança de vê-lo mais feliz. Théo, que já é um homem maduro, é cínico em relação ao amor e está mais preocupado em solucionar as questões existenciais e filosóficas que o atormentam.

Enquanto tem flashes sobre sua amizade com Juliano, ainda na infância, relembrando quando o irmão dele, Cassiano (Fredy Allan), brigou com o pai e deixou a casa da família, Théo tem reencontros com a ex-mulher do amigo, Lígia (Sandra Corvelone), que fala sobre os últimos dias de vida do falecido e sobre como ele idolatrava Théo como a um irmão mais velho, embora ele fosse o amigo mais novo.

Chamie usa cenas de crianças em um teatro, que não tem ligação direta com os personagens, para narrar a história de Ulisses, de Homero, com objetivo de traçar paradoxos entre a odisseia do personagem e a de Théo. Ambos estão em jornadas difíceis, que só podem ser superadas com a ajuda de amigos. A cineasta brinca com lendas, mitologias e evolucionismo para criar metáforas que auxiliam o espectador a ter um vislumbre da travessia espiritual pelo qual seu protagonista, Théo, está vivenciando a partir da brusca notícia da morte de Juliano.

No entanto, a sensação é de que Théo já estava em algum tipo de conflito interno e o falecimento do amigo foi apenas o gatilho que faltava para que ele tivesse algum tipo de insight. Ao contrário das narrativas comuns, o filme de Chamie não possui um clímax. Ou, na realidade, o clímax é o ponto de partida da história, a morte de Juliano. O que acompanhamos depois é uma jornada interna de autoconhecimento e reconciliação consigo mesmo, já que Théo sente culpa por ter ficado tanto tempo sem ver o amigo. A maior parte do filme de Chamie mostra a vida acontecendo, de maneira natural, às vezes morosa, outras agitadas.

Para a cineasta, é importante que nos vistamos da pele de seu protagonista, enxergando a vida de seu ponto de vista. Quantos amigos não perdemos o contato, porque estamos ocupados demais acordando, dormindo, trabalhando, jantando, namorando e simplesmente vivendo. O tempo se esvai mais rápido do que imaginamos e, quando tomamos percepção, perdemos alguém ou morremos nós mesmos.

Filmado em São Paulo, a cidade se infiltra nas sequências de cenas quase como um personagem. Ela dá o ritmo da vida de Théo e de todos ao seu redor. Ela os atrasa com seu trânsito pesado e com a chuva que faz a cidade parar e os apressa com os passos de um homem que esbarra em dona Julieta (Teka Romualdo), empregada de Théo, ou quando o engenheiro quer preencher os espaços de integração de uma escola em que o protagonista está trabalhando em paredes, que pretendem otimizar espaços e transformar o sistema educacional em um sistema emudecedor.

Chamie faz críticas sociais sutis e deixa a entender que Cassiano, o irmão de Juliano, deixou sua casa para integrar algum tipo de guerrilha durante a Ditadura Militar. No presente, ninguém tem notícias dele, que se torna um fantasma ou um sinônimo de rebeldia. Chamie faz cinema para falar de si, do mundo que conhece e da cidade que habita. Parece não ter tempo para agradar a indústria e não pretende seguir regras.


Filme: Os Amigos
Direção: Lina Chamie
Ano: 2013
Gênero: Drama
Nota: 7/10