Filme francês da Netflix dá aula de saúde mental, liberdade sexual e relações sociais Julian Torres / Les Films Velvet

Filme francês da Netflix dá aula de saúde mental, liberdade sexual e relações sociais

Sofia (Zahia Dehar) parece uma beleza vinda de outros tempos. Com um rosto montanhoso e um corpo curvilíneo, a beldade que chega de Paris em Cannes para as férias de verão mantém as emoções longe da alma. “Os sentimentos não servem para nada”, ela diz à prima Naima (Mina Farid), anfitriã na charmosa cidade mediterrânea. Estamos falando de “A Prima Sofia”, um filme de Rebecca Zlotowski, que co-escreveu o roteiro com Teddy Lussi-Modeste.

Para Sofia, de 22 anos, o que vale é aproveitar-se da generosidade do destino em tê-la feito bela e sensual. É seu charme e magnetismo que a permite viver uma vida idílica e despreocupada, enquanto seus acompanhantes bancam seu bracelete de ouro, suas bolsas caras, os jantares refinados e os passeios de iate. Naima, que tem 18 anos, acaba de terminar os estudos e precisa se decidir sobre seu futuro profissional. Mas enquanto é verão, há tempo. E com a chegada da prima, ela toma a percepção de uma vida que jamais experimentaria por conta própria.

Quando as primas conhecem o ricaço Andres (Nuno Lopes) e seu assistente, Philippe (Benoît Magimel), elas passam as férias velejando em um paraíso de luxo e ostentação e orbitam uma camada social que não a sua. Naima descobre a sexualidade para além do romantismo ao assistir sua prima fazê-lo por mero prazer ou moeda de troca. Mas em meio às paisagens paradisíacas, a beleza terrena e carnal de Sofia nos arremessa novamente para chão, nos lembrando que a vida não pode ser sempre como um sonho. A estação muda, as férias acabam.  

A diretora nos apresenta, por meio dessa narrativa sedutora, as nuances entre a ingenuidade e a vulgaridade. Embora a presença de Sofia coloque em risco os planos da mãe de Naima para seu futuro, ela também abre para a menina novos horizontes. A faz enxergar outros parâmetros da vida, a permite descobrir o tipo de pessoa que deseja se tornar e a coloca em contato com novas experiências que com certeza trarão algum tipo de amadurecimento.

Sofia é uma figura quase mitológica, enigmática. Não há um traço sequer de emoção em seu rosto e, claro, é proposital. Ela não se ofende quando garotões na praia a xingam, nem quando Calypso (Clotilde Courau), amiga dos acompanhantes, questiona seus procedimentos estéticos ou a encurrala perguntando sobre obras de Marguerite Duras, como se duvidasse que ela tivesse lido algo da autora. Sofia diz que não é boa de assunto, mas consegue se desvencilhar inabalável das constantes intimidações que tentam desmoralizá-la intelectualmente. Ela se mostra sempre à frente e, talvez, mais inteligente que todos ao ser redor, controlando as palavras que saem de sua boca, embora sempre franca, e mostrando um equilíbrio malabarístico de seus sentimentos e demonstrando que, na verdade, ela é uma mestre da negociação.

Há algo de didático neste filme de Zlotowski. Não é apenas Naima que aprende. Nós também aprendemos um pouco com Sofia. Ela nos ensina a não sentir culpa no hedonismo. Que a sexualidade livre não é fútil e que há profundidade nas coisas belas. Ela nos mostra que todos precisamos ter controle sobre a raiva, a paixão, a alegria, a tristeza e que é preciso levar a vida com leveza. O olhar afastado nos torna sempre melhores negociantes e todas as relações, sejam elas sociais ou profissionais, são políticas.


Filme: A Prima Sofia
Direção: Rebecca Zlotowski
Ano: 2019
Gênero: Drama / Comédia
Nota: 8/10