A joia escondida da Netflix, digna de Oscar, que vai te chocar agonizar a cada milésimo de segundo Divulgação / Sophie Dulac Productions

A joia escondida da Netflix, digna de Oscar, que vai te chocar agonizar a cada milésimo de segundo

De um movimento da Igreja Católica para combater a ameaça herege, os tribunais de inquisição na Europa se tonaram instrumentos das coroas para disputas políticas. Formada por vários reinos, a Espanha enfrentava, nesse período, o desafio da unificação por causa de seus povos com diferentes culturas e crenças. Desde Fernando II, que pediu a retomada da Inquisição ao Papa após uma conspiração de marranos na Sevilla até meados de 1800, quando é finalmente extinta, a Espanha foi um dos países mais cruéis no uso do Tribunal do Santo Ofício, matando mais de 100 mil pessoas ao longo de mais de três séculos.

A caça às bruxas é uma das histórias mais absurdas da humanidade de genocídio feminino e puniu com fogueira e enforcamentos mulheres que de alguma maneira não cumpriam com as expectativas da sociedade. Elas eram acusadas de feitiçarias por serem feias demais ou belas demais, fazerem uso de ervas como medicamentos, serem solteiras ou viúvas, gostarem de dançar ou rir, ter gatos ou qualquer coisa banal que incomodasse um grupo predominante.

Em “Silenciadas”, filme do cineasta argentino Pablo Agüero, que se passa em 1609 no País Basco, no norte da Espanha, conta a história de cinco jovens, Ana (Amaia Aberasturi), Maider (Yune Nogueiras), Maria (Jone Laspiur), Olaia (Irati Saez de Urabain) e Oneka (Lorea Ibarra), presas acusadas de bruxaria após participarem de uma noite de danças no bosque com outras aldeãs. Os homens do vilarejo são marinheiros e estão todos no mar, quando o juiz Rostegui (Alex Brendemühl), nomeado pelo rei Felipe III, chega com sua comitiva de soldados para purificar a região. À princípio, elas não sabem do que estão sendo acusadas. Após compreenderem que estão sendo inquiridas por feitiçaria e que seus julgadores já estão convencidos de seus crimes, elas decidem ganhar tempo até a chegada de seus pais marinheiros para libertá-las e contar uma história fraudada de uma bruxaria que jamais cometeram.

Ana lidera a narrativa e convence o juiz, o padre da igreja local e todos os envolvidos no julgamento. Conforme a história de Ana se desenrola, o tempo passa e o juiz começa a desconfiar que elas querem enrolar até a chegada dos marinheiros, obrigando-as a reproduzir um culto demoníaco chamado Sabbath.

Agüero se inspirou na cruzada do juiz Pierre de Lancre que, em 1609, empreendeu uma jornada pelo País Basco para purificá-lo. Embora o filme tenha apenas uma hora e meia de duração, cada um de seus minutos são de enorme angústia para o espectador que vê a descabida injustiça que está sendo cometida e que ocorreu centenas de milhares de vezes durante séculos da idade média. Ana e suas amigas estão completamente cerceadas de qualquer direito e, por isso, não adianta negar que sejam bruxas, pois aos olhos de Rostegui já são culpadas. Enquanto elas se unem para criar a falsa narrativa em uma tentativa de sobreviver, somos aquecidos por uma chama de esperança que se mantém viva graças à união, a amizade, à tentativa de Ana em proteger às outras colocando-se no centro da culpa, a sororidade e o senso de empoderamento que toma conta de cada uma delas. Um filme de cortar o coração, mais ainda sim poderoso e incisivo em sua mensagem de que os feminicídios sempre existiram como forma de tentar controlar o comportamento das mulheres, que quando fugiam das expectativas eram uma espécie de ameaça à hegemonia masculina, à família tradicional e à ordem de submissão e exploração do trabalho, do corpo, do intelectual e do emocional feminino.

Uma história que merece ser vista e conhecida para não ser repetida, “Silenciadas” vai despertar sua revolta, sua tristeza e sua rebeldia interior.


Filme: Silenciadas
Direção: Pablo Agüero
Ano: 2020
Gênero: Drama
Nota: 10/10