Um dos mais belos filmes da história da Netflix e você certamente não assistiu

Um dos mais belos filmes da história da Netflix e você certamente não assistiu

Homens do século 21, enfrentamos uma crise de identidade. Acostumados a séculos de poder sobre mulheres dependentes de nossa benevolência, lutamos para abandonar essa posição de domínio. Ainda vemos as mulheres como apêndices de nossas vidas, em vez de parceiras iguais em um projeto de vida comum. Elas se submetem, abandonando suas próprias aspirações e se conformando a papéis subservientes, muitas vezes transformadas em híbridos que não evocam a compaixão nem a eficiência de uma máquina. Uma professora de arte, simples e sofisticada, amarga mas doce, mantém seus sonhos juvenis enquanto tenta se ajustar a um marido infantilizado e bruto, sem jamais saber se fez a escolha certa ao renunciar ao que poderia ter sido, aprisionada no monótono paraíso da vida doméstica.

A estreia de CJ Wang em longas-metragens promete um futuro brilhante para o cineasta taiwanês. “Meu Lugar” (2022), destaque no New York Asian Film Festival, explora o drama de sua protagonista com uma profundidade impressionante em mais de duas horas. A personagem principal, uma mulher comum com sonhos e ilusões, está presa em uma vida confortavelmente perigosa. Wang utiliza cenários, diálogos e figurinos orgânicos para dar ao filme um naturalismo que se torna seu principal atrativo. Desde os primeiros minutos, fica claro que evitar exageros não é apenas um recurso estilístico, mas uma forma de capturar o interesse do público de maneira legítima, colocando-o no centro da ação de forma límpida e fluida.

A protagonista cansada, cuja angústia transcende sua figura delicada, é a senhora Yeh, uma professora de arte aposentada interpretada por Nina Paw. À medida que a história avança, descobrimos que Yeh, chamada assim até por sua própria filha (vivida por Chia-Yen Ko), desejava explorar o mundo, mas uma gravidez inesperada a levou ao casamento com o personagem de Johnny Kou. Kou, aposentado, exibe uma personalidade controladora e absorvente. Wang mostra o mal-estar da senhora Yeh sem elevar a voz de nenhum personagem, fazendo o público sentir uma profunda compaixão por alguém que não grita, mesmo diante de ameaças constantes.

A audiência não só sente pena, mas também revolta-se com o desprezo recorrente que a senhora Yeh enfrenta de seu marido e família. O marido, agindo como um senhor feudal, exige serviços domésticos impecáveis, enquanto a filha, após deixar o emprego, retorna para casa com grandes ambições, sem considerar discutir o assunto previamente. Em uma cena simbólica, Wang mostra a heroína lutando para resolver questões sobre um novo apartamento, enquanto seu marido mal consegue fritar um ovo e retorna com o lixo por não saber separar resíduos orgânicos dos demais.

O cinema asiático, mais uma vez, aborda questões urgentes de maneira sutil. O reconhecimento dado pelo New York Asian Film Festival é insuficiente para a qualidade do trabalho de Wang.


Filme: Meu Lugar
Direção: CJ Wang
Ano: 2022
Gênero: Drama
Nota: 10/10