O filme mais aterrorizante e perturbador de 2024 está na Netflix Divulgação / Netflix

O filme mais aterrorizante e perturbador de 2024 está na Netflix

O poder não concede nada sem exigir algo em troca, mas o poder da polícia é imediato, sem limite e, ao que parece, eterno. É assim, misturando Frederick Douglass (1818-1895), considerado o pai do movimento pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, e o pragmatismo da filosofia de quem passa a vida a tentar atribuir explicações sociológicas para os desvios das forças criadas para conter a violência dos habitantes dos grandes urbanos e das áreas mais distantes, a organizada e aquela que nasce da revolta de um indivíduo, que “Poder Policial” toma corpo.

O documentário de Yance Ford, um diretor que vai adquirindo relevo na descrição de fenômenos sociais que minam a democracia nos Estados Unidos, é um primor de investigação jornalística, no qual também se dedica a esboçar respostas para as tantas lacunas que encontrou em quase tudo quanto se refira à polícia de seu país. Ford, um homem transgênero que costuma deslindar as minúcias mais espinhosas dos assuntos de que trata, já havia entrado nesse campo com “Strong Island” (2017), onde narra a morte brutal do irmão, crime que permanece sob a densa bruma de mistério que só dissipar na undécima hora, fazendo, inclusive, uma honrosa confissão. Aqui, o diretor reúne acadêmicos, jornalistas e policiais da ativa e da reserva a fim de esclarecer o provável de ruptura entre certa grupelhos nas corporações e os valores civilizatórios, problema muito mais antigo do que dá a entender.

Os custodiados pelo poder público na América soma mais de dois milhões de pessoas, universo formado por 66% de negros; destes, apenas metade recebe assistência jurídica adequada, um absurdo com o qual não se pode transigir, uma vez que a ampla defesa constitui-se um preceito elementar da Declaração Universal dos Direitos do Homem, originalmente publicada em 1948 e filha da Revolução Francesa, cujo fulgor se espalhou pelo mundo entre 1789 e 1799.

Pode parecer mero proselitismo raso, mas a menção a episódios em que autoridades policiais trucidaram cidadãos afro-americanos, como no caso de George Floyd (1973-2020) e Breonna Taylor (1994-2020), remontam às origens do policiamento ostensivo na América, durante o século 19, quando militares fiscalizavam indígenas para garantir a defesa das propriedades de colonos brancos, enquanto escravizados eram abduzidos pelo movimento escravocrata e anti-abolicionista e também se punham a delatar negros que se punham em articulações para confrontos e fugas. Na mesma onda surgiram os delegados que investiam contra grevistas, e o resto é História. Ford e seus entrevistados atingem uma conclusão tão lógica quantoignorada: os vigilantes precisam ser vigiados — e punidos, quando incorrem em malfeitos. Como dissera Frederick Douglass há 150 anos.


Filme: Poder Policial
Direção: Yance Ford 
Ano: 2024
Gênero: Documentário 
Nota: 9/10