Fomos comemorar a vitória de Donald Trump num prostíbulo

Seria ótimo que vocês, observadores imunes aos caos da ficção, lessem isso aqui ao som de “Harlem Shuffle”, dos Stones, no volume máximo, por obséquio. Era o mínimo que poderiam fazer por mim. Pra meterem logo o pé na jaca, pra entrarem com tudo no clima da história, pra embarcarem na trama, pra sentirem o cheiro de suor, de porra e de bagana, pra imaginarem aquela penca de mulheres nuas e bacanas rebolando dentro de jaulas de mentirinha facilmente violáveis, pra visualizarem em suas cabecinhas o cenário tosco que era aquele muquifo renegado por Deus e pelos órgãos sanitários do município. Façam isso por suplício, sem receio de levarem no orifício, pelo bem dos ratos e baratas daquele lugar que mais parecia um hospício, por camaradagem, sem o receio de serem afetados por pulgas, treponemas e outras pragas que adoram seres humanos, ou de serem contaminados pela falta de modos deste autor, dos personagens bisonhos, a maior parte deles esdrúxula, constituída de pais de família, homens de negócio, políticos, prostitutas, veados, transviados e desviados sexuais de todas as estirpes.

Não havia santos naquele inferninho. Alguém teve a ideia, convidou os demais, então, ali estávamos, bastante embriagados, para comemorar a inusitada vitória de Donald Trump. O mundo já tava fodido mesmo. Não Éramos Seis, como no livro e na novela. Éramos cinco para o convescote: eu (um escritor de excentricidades, claramente influenciado pela obra suja e mal lavada de Charles Bukowski), um perito do INSS (médico medíocre, estelionatário competente, líder de uma matilha de carniceiros que há anos sangrava, usurpava a Previdência Social, vendendo atestados de loucura a preço de um rim normal), um papiloscopista do IML (sujeito de expressões doentias, seis dedos em cada mão, viciado em formol, em estupro coletivo e carne fria, contumaz molestador de cadáveres de mulheres com obesidade mórbida que jaziam indefesas dentro do freezer ou da sacristia), um Deputado Federal da bancada fascista (pederasta empedernido, homem seboso, másculo, fedido, destruidor de lares e de florestas, criador de nelores, vermes, celeumas e traumas psicológicos, covardão aficionado em fiofós de meninos) e um juiz da vara de família (um filho-da-mãe que merecia apanhar com vara de marmelo, vendedor de sentenças capitais pelo interior do país). Por que sei do currículo secreto dessa gente, por que estive em conluio durante algumas horas com degenerados que se reproduzem feito amebas, vocês devem estar se perguntando. Porque eu precisava de uma história grotesca para desopilar o meu ódio. Então, eu escrevi, certo de que o final dos tempos ou da tinta da impressora estavam próximos, o que viesse primeiro eu acatava.

Alertaram-me em tempo: eu já sabia, antes da ereção, que a próxima streaper, na verdade, era um cara, um renomado advogado trabalhista que dava um trabalho danado nas cortes do tribunal de justiça do condado. Pensei: “Bem, vou me divertir um pouquinho e curtir o streap até o ponto em que esse sujeito permanecer de tanga, antes que a velha clava varicosa dê o ar de sua graça”. Não achei nada engraçado quando uns caras começaram a se beijar na mesa ao lado. Eu não estava acostumado ao amor livre em todas as suas vertentes. Dou a minha mão à palmatória, já que não darei o rabo. Aquele lance de frequentar um “prostíbulo unissex” (foi o que alguém disse) começava a me dar nos nervos. Pressenti que tinha sido um erro sair com uma corja que eu pouco conhecia, depois de termos passado o dia enchendo o toba (não no sentido literal) com terebintina e comendo bistecas de animais não identificados, por ocasião do batizado do neto do senador da república. Se eu não fosse ateu, Deus talvez ouvisse a minha súplica e direcionasse um de seus raios certeiros sobre aquela pocilga. Quando eu soube da tabela de preços do bordel, que a dose de uísque custava escandalosos cinquenta pilas, o mesmo preço pago por uma botija de água mineral, ou por uma sessão de sexo oral, ou por um voto a vereador, ou por uma porção de baratas gourmetizadas ou por um maço dos famosos cigarros Canceres (importados da “Laranja Mecânica”, de Anthony Burgess), fiquei ainda mais indignado.

No ponto alto da noite (parecia o fundo do poço para mim), o cerimonial do prostíbulo (um apresentador macilento que se parecia à beça com o Soldado Desconhecido) anunciou que dariam início ao grande prêmio: o leilão de uma jovem mexicana virgem ilegal, cujo lance inicial era de cinco cestas básicas com panetone e tudo (o Natal se aproximava; um cara se aproximava, perigosamente, de mim também; cismei). O cabaré ferveu. Alguém tirou a esvoaçante música dos Stones e meteu a “Galopeira”, em volume descomunal, cantada pela voz esganiçada do Chitãozinho. Executivos tiraram os paletós. Mulheres tiraram as calcinhas. Eu já ia tirando o meu time de campo quando testemunhei um velho moribundo (se dependesse de mim, ele já devia ter morrido há tempos) que, não apenas largou as muletas e se levantou, mas, caminhou cambaleando até o balcão e pediu mais uma dose de aguarrás ao barman. Os milagres não pararam por aí. Acabou a energia elétrica e eu tive que interromper essa história. Continua num dia qualquer, se Deus quiser, se a luz voltar e a minha raiva também.