Desligue o cérebro e aproveite o final de semana com o novo suspense de ação da Netflix Divulgação / Netflix

Desligue o cérebro e aproveite o final de semana com o novo suspense de ação da Netflix

As sagas de homens irascíveis, que se de uma hora para a outra decidem mudar de vida, começam pelos motivos mais excepcionais, mas sempre têm um propósito em comum: frisar a necessidade de recuperar os vínculos com o que eram desde antes que soubessem o que o destino faria deles. Eles se perdem pelos descaminhos que surgem como atalhos enganosos para a felicidade, da mesma forma que existem os que não se conformam com aquilo que todos julgam como o natural, e dessa luta emergem as tramas de sofrimento e resistência de que é feita a própria humanidade e que conferem significado ao gênero humano.

Dirigido por Mandla Dube, “Alma de Caçador” é mais uma prova do vigor do cinema da África do Sul, que de tempos em tempos encanta o mundo com filmes a exemplo de “Silverton: Cerco Fechado (2022)”, para ficar com o próprio Dube. Continuando nas autorreferências, Bonko Khoza, a estrela de “Alma de Caçador”, já havia despontado no majestoso “A Mulher Rei” (2022), épico sobre um batalhão de guerreiras encarregadas de defender sua terra de um inimigo poderoso. O filme de Dube não dispõe do glamour do longa de Gina Prince-Bythewood, produzido por Viola Davis, mas nem precisa; juntos, o diretor e protagonista garantem ao espectador 105 minutos de uma diversão sofisticada, na qual um mote à primeira vista batido torna-se uma história plena de identidade.

Valores caros à civilização, sem os quais todos já teríamos soçobrado em meio a conflitos armados cada vez mais frequentes, relações íntimas marcadas pelo abuso e pela psicopatia, a justa descrença quanto a alguma evolução, precisam ser permanentemente resgatados para que não nos esqueçamos da nossa humana condição, desventurada em essência, porém cheia de fantasiosas possibilidades. Um dos maiores desafios que viver em sociedade implica é descobrir em si mesmo algum predicado misterioso, que só nosso próprio espírito indevassável conhece, e fazê-lo percebido por todos, mas não de qualquer maneira.

É preciso que se chegue com humildade — mesmo que tudo não passe da mais grosseira encenação —, com a tranquilidade necessária para convencer quem nos rodeia de que somos, sim, a maravilha que queremos que pensem que somos, sem contudo deixar transparecê-lo, e se possível dando a impressão de que não estamos nada interessados no que os outros hão de pensar de nós. Se muitas vezes a vida tem todas as cores de uma farsa, por mais real e furiosa que seja, em outras tudo é estranhamente sério, sobrando pouco espaço para fantasias de qualquer natureza ou tergiversações quanto ao caráter justo ou injusto da realidade. Momentos em que viver sembra como um teste, em que as respostas precisas têm de ser dadas, ainda que os sonhos insistam em gritar.

Baseado no best-seller homônimo de Deon Meyer publicado em 2002, o roteiro de Meyer e Willem Grobler espraia-se pela jornada e pelas escolhas de Zuko Khumalo, o ex-assassino sob encomenda de Khoza, obrigado a retomar a velha estrada quando um político de pessima reputação lança sua candidatura à presidência, com boas chances de sair vencedor. Dube tira das páginas de “Alma de Caçador” — eleito um dos melhores thrillers de 2002 pelo Chicago Tribune, listado no que hoje é conhecido como Prêmio Literário de Dublin e vencedor da categoria Internacional no Deutsche Krimi Preis, o Prêmio Alemão do Crime — os rudimentos do conflito ético que assombra o personagem central, ainda que boa parte reste borrado pela dose excessiva de cenas de ação, bem coreografadas. Na última sequência, entretanto, o diretor resume a sucessão de desencontros que foi a trajetória de seu anti-herói mediante a conversa despretensiosa e sincera com o filho. Dois solitários sem lugar no mundo.


Filme: Alma de Caçador 
Direção: Mandla Dube
Ano: 2024
Gênero: Thriller/Ação/Suspense 
Nota: 8/10