Indicado a 13 prêmios, filme com Matt Damon e Christoph Waltz retorna ao catálogo da Netflix Divulgação / Paramount Pictures

Indicado a 13 prêmios, filme com Matt Damon e Christoph Waltz retorna ao catálogo da Netflix

Quando a produção de dejetos não biodegradáveis de 36 pessoas ao longo de quatro anos enche menos de meia sacola de lixo, há que se considerar o quão efetivo o “milagre” de fato é e o que se precisa fazer para que o mundo todo desfrute dessa revolução. Aos poucos, entretanto, “Pequena Grande Vida” sai do casulo e explica que nada é tão simples assim. À medida que o diretor Alexander Payne remove o verniz de cientificismo que insiste em envolver as primeiras cenas, resta no fundo uma estimulante discussão acerca dos sentimentos mais primitivos a estorvar a alma humana, que nunca foi muito boa em obedecer a padrões.

Nascido e criado em Nebrasca, centro-norte dos Estados Unidos, o diretor sempre pareceu meio encantado pelos tipos prosaicos, exóticos, cuja mágica reside no que o espectador acha de verdadeiramente admirável nessas criaturas, como acaba de fazer mais uma vez no ótimo “Os Rejeitados” (2023). O roteiro de Payne e Jim Taylor aposta em circunvoluções um tanto cerebrais para flertar com a ideia de um novo homem — e até abusa dos diversos clichês já cristalizados pelo próprio cinema a esse respeito —, mas sabe o momento exato de avançar para o que importa: o sonho de um homem de alcançar o que deveria continuar no mundo das vãs possibilidades.

Matt Damon tem se revelado excepcionalmente habilidoso para dar vida a essas figuras ambíguas — comuns, mas únicas; tediosas, mas repletas de meandros — que dão sabor a qualquer história. Damon o fizera há algum tempo em “AIR: A História Por Trás do Logo” (2023), do amigo Ben Affleck, como o pesadão Sonny Vaccaro, o olheiro da Nike em meados dos anos 1980, deslizando para o interior da sala do chefe com a sutileza de um toureiro.

Aqui, Paul Safrânek, um terapeuta ocupacional de Omaha, e a esposa-assistente Audrey, de Kristen Wiig, se desesperam em busca da solução definitiva para hipotecas que nunca se pagam, dívidas de cartões de créditos anabolizadas por juros escorchantes e a sempiterna corrida por sucesso, na qual aportam a todo instante competidores mais jovens, mais aplicados e mais gananciosos. A resposta talvez seja Leisureland, a nova Pasárgada de dimensões milimétricas, onde todos são amigos do rei e têm direito aos sonhos que bem quiser. O argumento central do texto de Payne e Taylor cresce, com a licença do trocadilho, conforme Paul se dá conta de que ter abandonado sua velha vida de problemas gigantescos não foi lá o excelente negócio que ele imaginava, imagem que o diretor explora nas cenas em que seu anti-herói conhece Ngoc Lan Tran, a faxineira vietnamita de Dušan Mirkovic, talvez o único a ter conseguido encontrar em Leisureland todo o fausto que a propaganda alardeava. Agora, medindo menos de treze centímetros, o ex-terapeuta — o segundo ato detalha também essa tragédia para Paul — tenta lançar-se numa nova jornada, ajudando Ngoc Lan num problema que remete à vida de refugiada da pobre moça.

O núcleo composto por Damon, Hong Chau e Christoph Waltz é, sem dúvida, a melhor coisa em “Pequena Grande Vida”. Sem querer, Payne faz de Paul Safrânek um novo George Bailey, permitindo-nos lembrar de “A Felicidade não se Compra” (1946), o clássico de Frank Capra (1897-1991), ainda que numa releitura um tanto calculada demais. Safrânek e Bailey, o everyman de James Stewart (1908-1997), sonham, cada qual a sua maneira, e realizam, cada qual a sua maneira. Talvez essa seja a pequena grande vida de uma felicidade sem preço.


Filme: Pequena Grande Vida
Direção: Alexander Payne
Ano: 2017
Gêneros: Drama/Fantasia/Ficção científica 
Nota: 8/10