O melhor filme de ação do cinema mundial, nos últimos 5 anos, está na Netflix Divulgação / Lions Gate Films

O melhor filme de ação do cinema mundial, nos últimos 5 anos, está na Netflix

Keanu Reeves continua firme na pele de um assassino necessário na terceira parte da franquia na Netflix. Se o mundo fosse um imenso campo onde só florescesse o bom, o belo e o justo, ou ao menos um lugarzinho cada vez mais abafado no qual todos soubessem de suas obrigações e colocassem-nas em prática, sem esperar nada de quem quer que seja, mas vivendo apenas de acordo com o que manda a lei, figuras como Jonathan “John” Wick não seriam tão onipresentes.

O assassino sob encomenda de Keanu Reeves numa das franquias mais rentáveis já produzidas pelo cinema não perde o fôlego, e “John Wick 3: Parabellum” talvez fosse a oportunidade que o diretor Chad Stahelski, responsável pelos outros três longas da sequência, esperava para aprofundar-se no caráter de eminente ruína moral de seu anti-herói, socorrendo-se para tal de artifícios estéticos de deixar maravilhado o mais desatento dos espectadores.

A fotografia de Dan Laustsen, ora vívida no realce do brilho que emana dos objetos de cena, ora morbidamente apagada, sublinhando a misantropia patológica de Wick, claro, mas investindo também contra a apatia desumana de Nova York, ajusta-se ao roteiro de Chris Collins, Shay Hatten e Derek Kolstad de modo a sempre defender os métodos do paladino torto da justiça num ambiente tomado pelo caos.

John Wick é o pacifista factível numa terra massacrada pela arbitrariedade como o próprio sistema. Wick chega à Biblioteca Pública de Nova York em busca de um livro do contista folclórico russo Aleksandr Nikoláyevich Afanásiev (1871-1826), e como se vê a seguir, ele não tem o menor interesse nas historietas de tradição eslava do tempo do czar Alexandre 2º (1818-1881).

O delinquente mais procurado da América está a vinte minutos de ser banido, e então qualquer um estará autorizado a encaminhá-lo vivo ou morto para a polícia, embolsando catorze milhões de dólares de recompensa pela façanha. Wick abre uma das obras de Afanásiev e de lá retira o amuleto que serve-lhe de escudo e trampolim para o mais impenetrável submundo, onde tem a chance de se refugiar quando começa a sentir cheiro de carne queimada.

Por óbvio, nada pode ser tão simples, e Stahelski, um ex-dublê famoso por ter dado vida aos movimentos mais contraindicados de Brandon Lee (1965-1993), a quem sucedeu em “O Corvo” (1994), de Alex Proyas, sabe exatamente o que o espectador quer de seu filme e de seu protagonista.

Já na abertura, Reeves supera a melhor das expectativas num balé diabólico durante o qual rebate os golpes letais de um tipo suspeito com a ajuda do tal livro, que termina manchado de sangue, como sua camisa branca e seu antes impecável terno escuro. Momentos assim, tresloucados, capturam na hora o olhar do público, mas minudências semânticas quase imperceptíveis, como Wick voltar até a estante e pôr o volume onde estava, têm um gosto especial para quem aprecia o bom cinema.

No lendário Hotel Continental, o refúgio inequívoco para matadores de aluguel, Charon, o aio vivido por Lance Reddick (1962-2023), cuida do pitbull sem nome de Wick, ao passo que ele dá início à jornada durante a qual vai cruzar com a ex-mentora em outra menção à Rússia. A personagem de Anjelica Huston agora mescla sua atuação junto ao crime organizado — talvez seja a chefe de um bando que se dedica ao tráfico de armas — à direção de uma companhia de dança clássica, e paga com sangue a ousadia de ter estado com o ex-pupilo, embora jamais adivinhasse que ele viria.

Figuras secundárias como essa são, com a licença do trocadilho, uma faca de dois gumes, ora emprestando mais vigor à trama, ora debilitando-a incontornavelmente. É o caso de Sofia, a ex-assassina encarnada por Halle Berry numa passagem dispensável ao lado de seus pastores belgas, agora gerente do Continental de Casablanca, no Marrocos. Wick vai para lá, mas não se livra da perseguição de gente como O Adjudicador, a justiceira andrógina de Asia Kate Dillon.

Escrupuloso até nas circunstâncias mais sórdidas, “Parabellum” até lembra o melhor dos westerns com Clint Eastwood, a exemplo de “Por um Punhado de Dólares” (1964), de Sergio Leone (1929-1989), ou “Os Imperdoáveis” (1992), dirigido por Eastwood ele mesmo, porém transposto para um cenário um tanto pós-apocalíptico, onde, quiçá, já estejamos. O éden para esse Lúcifer nova-iorquino cansado de guerra ainda está longe, como se assiste em “John Wick 4: Baba Yaga” (2023), e mesmo na proclamada última fase, Stahelski faz questão de esticar a corda um pouco mais. Pode-se suspeitar com boa margem de acerto que a epopeia está longe de uma conclusão definitiva, o que nem sempre é uma boa ideia.


Filme: John Wick 3: Parabellum
Direção: Chad Stahelski
Ano: 2019 
Gêneros: Ação/Suspense
Nota: 9/10