O filme mais bonito, comovente e feliz que você verá esta semana na Netflix Divulgação / Columbia Pictures

O filme mais bonito, comovente e feliz que você verá esta semana na Netflix

A cultura pop nunca mais foi a mesma depois de Lassie. A rough collie, protagonista de “A Força do Coração” (1940), romance do britânico Eric Knight (1897-1943) nascido do conto homônimo publicado no “Saturday Evening Post” em 1938, marcou gerações, a ponto de, metonimicamente, designar todos os cachorros daquela raça — e até os vagamente parecidos.

Por óbvio, Hollywood não deixaria a oportunidade passar e, Pal, um macho, deu vida à adorável cadelinha em “Lassie, a Força do Coração” (1943), de Fred McLeod Wilcox (1907-1964), um dos primeiros trabalhos de ninguém menos que Elizabeth Taylor (1932-2011), contando então onze anos. Todo filme sobre a amizade entre humanos e o lobo domesticado deve muito a Lassie, e com “A Caminho de Casa” não é diferente.

Bella, a filhote de pit bull americana — e aí começa uma polêmica aparentemente inofensiva — em torno da qual gira o filme de Charles Martin Smith, luta por seu lugar no mundo desde que nasce, e depois, como se não fosse o bastante, passa quase cem minutos, distribuídos por dois anos e 640 quilômetros, tentando voltar para junto de quem a ama, numa sucessão de reviravoltas que, claro, enlouquece crianças de oito a oitenta. A roteirista Cathryn Michon adapta o livro de igual nome de W. Bruce Cameron, publicado em 2019, de modo a ressaltar a independência de sua valente personagem central, sem permitir vingar a sensação de que Bella estaria bem na companhia exclusiva de seu faro único. Obcecado por cães — Cameron escreveu 34 volumes protagonizados por cachorros —, o autor sabe que eles precisam de nós tanto como precisamos deles, na mais terna simbiose já produzida pela natureza.

Já nas primeiras cenas, Bella já deixa clara sua vocação para mártir. Parida sob o assoalho de uma casa abandonada, o serviço de zoonoses recolhe quase todos os muitos animais que habitam o lugar, incluindo Mamãe Gata, a felina que amamenta a cachorrinha em seus despertares mais imemoriais. Ela fica, já se conformando com essa grande trapaça do destino, até que Lucas e Olivia, dois estudantes de medicina que também atuam como voluntários num hospital veterinário, vêm em seu socorro.

Jonah Hauer-King e Alexandra Shipptêm uma importância ao longo da história, sobretudo no terceiro ato, mas é Bella, “interpretada” com toda a típica doçura canina pela cachorra Shelby, quem rouba todas as cenas, que, justiça seja feita, tornam-se mais envolventes graças à esmerada dublagem de Bryce Dallas Howard. Ainda que Lucas se proponha a adotá-la, Bella é forçada a seguir para um abrigo, de acordo com as leis de Denver, que classificam pit bulls e seus filhotes, com ou sem pedigree, na categoria de “cães de caça”, um epíteto perigoso sobre o qual a ativista Yasmin Nair discorre brilhantemente no ensaio “Racism and The American Pit Bull” (“racismo e o pit bull americano”, em tradução literal, de 2016), publicado na revista “Current Affairs”, onde também cita o livro da jornalista Bronwen Dickey, “Pit Bull: The Battle over an American Icon” (“pit bull: a batalha por um ícone americano”, idem, ibdem).

Tudo se resumiria a um estranho jogo de palavras, não fosse a habilidade de Smith de narrar as desventuras de Bella depois da fuga, despachada para o outro estado. Nossa heroína literalmente arrisca a pele por sentir outra vez aquele cheiro de lar que os cães reconhecem e valorizam muito mais que nós, o que por si só é uma das maiores lições de “A Caminho de Casa”.


Filme: A Caminho de Casa
Direção: Charles Martin Smith
Ano: 2019
Gêneros: Drama/Ação/Aventura
Nota: 9/10