Polêmico e digno de Oscar, filme que tem 100% de avaliações positivas acaba de estrear na Netflix e vale cada segundo do seu tempo Divulgação / Black Hole Enterprises

Polêmico e digno de Oscar, filme que tem 100% de avaliações positivas acaba de estrear na Netflix e vale cada segundo do seu tempo

A primeira e óbvia imagem que ocorre ao espectador ao se deparar com “Simón” é, sem dúvida, a de Simón Bolívar (1783-1830), presidente da Venezuela por duas vezes, entre 7 de agosto de 1813 e 7 de julho de 1814, e de 15 de fevereiro a 17 de dezembro de 1819. Militar, Bolívar usou de táticas e estratégias para colocar em marcha um ousado plano de descolonizações em toda a América do Sul, começando por sua terra natal, e se estendendo por Colômbia, Peru e Bolívia, países dos quais também foi chefe de Estado, até sua morte, em 1830, de tuberculose, pouco depois de passar o bastão.

Na prática, todos sabemos no que deu a megalomania de Bolívar, que empresta seu nome a uma força política ainda hoje vigorosa no subcontinente, marcado pela resistência ao avanço imperialista, sobretudo dos Estados Unidos, e embalou tiranos como Hugo Chávez (1954-2013) e Nicolás Maduro, citados nas entrelinhas por Diego Vicentini num relato corajoso da verdadeira luta, orgânica, fluida, contra episódios de cada vez mais flagrante desrespeito às liberdades individuais num país sitiado, de um governo absolutista com poderes de criar e vetar leis sem a participação da Assembleia Nacional, engessada ou servil aos excessos de Maduro.

Em 2009, Vicentini, um garoto de quinze anos, foi obrigado a se exilar com a família em Miami escapando do ciclo de paranoia, medo, violência, pobreza severa e desemprego galopante, rompido dez anos por Chávez e seu neossocialismo bolivarianista. Oito anos depois, o diretor cobriu pelas redes sociais a onda de protestos que se levantou contra o delírio madurista, sintomas da exaustão de um povo ultrajado que, lamentavelmente, não surtem efeito.

Um grupo de jovens celebra o aniversário de um amigo enquanto se sucedem ao fundo cenas de manifestantes sendo espancados em meio a bombas numa rua de Caracas. Entre eles, está o personagem-título, com Christian McGaffney espantosamente seguro e cavando mais e mais oportunidades de convencer quem assiste a embarcar em enxuta hora e meia de uma saga que o diretor-roteirista colore com momentos ditosos na introdução, embora já se perceba que a vida de Simón não é nenhum mar de rosas.

Ele tem se defendido em subempregos, por não ter a documentação necessária para candidatar-se a uma vaga no concorrido mercado de trabalho da América, volta para dormir no apartamento desocupado de um prédio de luxo, gentileza de um amigo corretor de imóveis, tem de recolher suas coisas às pressas quando surgem possíveis compradores e cogita a hipótese de pedir asilo político, o que não vai adiante porque, se o fizesse, teria de concordar em saber da Venezuela apenas pelos jornais. Uma sequência em que Simón e Chucho, o melhor amigo interpretado pelo humorista Roberto Jaramillo, literalmente embarcam numa canoa furada em direção ao outro lado da Baía de Flórida, é o único respiro cômico-estético de uma narrativa mais e mais densa, nebulosa, cujo desfecho ainda vai longe.

A partir do segundo ato, Vicentini exacerba o teor de glosa sociológica de “Simón”, detido num episódio que o diretor faz questão de deixar mal-explicado. Nessa altura do enredo, Melissa, a heroína de Jana Nawartschi, entra como uma possível aspiração romântica do protagonista, malgrado seu grande objetivo seja mesmo livrá-lo da cadeia. Este é mesmo um filme com muito espaço para o sonho, mas sem lugar para o amor — ao menos até que os quase oito milhões de venezuelanos possam voltar para casa e se encerre o maior o êxodo de migrantes história do hemisfério ocidental.


Filme: Simón
Direção: Diego Vicentini
Ano: 2023
Gêneros: Drama
Nota: 10