Segure o fôlego: thriller de ação envolvente com Diane Lane, na Netflix, vai te manter na ponta do sofá Divulgação / Screen Gems

Segure o fôlego: thriller de ação envolvente com Diane Lane, na Netflix, vai te manter na ponta do sofá

Histórias de ilegalidades cometidas no ambiente virtual foram se tornando carne de vaca desde que “Sem Vestígios” foi lançado, há década e meia, e, diferentemente do vai no título do filme de Gregory Hoblit, nem o hacker mais astucioso consegue invadir sistemas, desviar milhões de contas bancárias, abalar reputações ou vender terrenos na lua sem ser identificado minutos depois.

Feita essa ponderação e abusando-se da licença poética e da boa vontade de compreender o que queria o diretor, é possível desfrutar de algum prazer diante da história de um psicopata que, não satisfeito em matar, transmite seus rituais macabros para todo o planeta, alcançando a proeza de jamais de ser pego e, a cereja do bolo, arrebanhar dezenas de milhões de espectadores, quiçá lunáticos como ele, ao arrepio do que orientam as autoridades.

Sem dúvida, essa é a força do roteiro de Mark Brinker, Allison Burnett e Robert Fyvolent, sugerir, com muito jeito, que é muito tênue a linha que separa um delinquente de quem diz apenas observar a barbárie ao longe, mas à distância de um clique, obviedade para a qual, ainda hoje, nem todos atinam.

Com alguma assiduidade, somos desafiados a encontrar motivos para ratificar nossa crença no existir, passando por cima de todo o desalento que embrutece e paralisa; de toda a melancolia, que na dose imprópria, deixa nebuloso o céu da reflexão e avança ao pântano da dúvida imanente e ubíqua, acerca de qualquer um e em qualquer parte; de tudo quanto tenta nos demover da busca por dias menos sombrios e gente mais esperançosa, o ideal mais singelo e mais intricado a que se pode aspirar.

Num só movimento, viver torna-se uma sucessão de luzes e sombras que se atraem e se repelem e se equivalem, subidas e descidas bruscas e repentinas como num brinquedo infernal, entradas e saídas de labirintos claustrofóbicos que se estreitam ainda mais conforme tomamos pé de nossas humanas limitações, agudizando o sentimento de que no espírito do homem cabem mesmo todos os sonhos do mundo, mas nele encrustam-se igualmente muitas das côdeas que enxovalham os corações para muito além da vã filosofia deste plano tão rasteiro.

Há algum tempo, a Divisão de Crimes Cibernéticos do FBI e a polícia de Portland tenta colocar Owen Reilly a ferros, mas levam um baile do facínora, que ganha hordas de seguidores a cada anúncio de um novo espetáculo em seu circo dos horrores. O sadismo de Reilly começa a importunar a equipe da investigadora Jennifer Marsh, acostumada a toda sorte de golpistas e monstros, e Diane Lane não desperdiça nenhuma chance de extravasar o choque de sua personagem frente a recorrentes e intermináveis sessões de tortura, sufocando seu mal-estar no empenho quase obsessivo de estancar a sangria. Para tanto, dispõe da retaguarda de

Griffin Dowd, o adjunto vivido por Colin Hanks em mais um papel secundário, muito longe do sucesso do pai, Tom, mas num trabalho digno de elogios. O diretor tenta inspirar no público a abjeção pelo antagonista, esforçando-se por repetir a boa marca de “As Duas Faces de um Crime” (1996) ao apelar para o sadismo que se esconde em cada um, mas sequências que se derramam em excessos arriscados como a onipresença de Lane — de fato bem melhor em melodramas a exemplo de “Sob o Sol da Toscana” (2003), de Audrey Wells (1960-2018), ou “Paris Pode Esperar” (2016), dirigido por Eleanor Coppola — comprometem o resultado final, justamente por, Lane queira ou não, este ter se tornado seu DNA artístico.

A propósito, passados dez anos da estreia de “Sem Vestígios”, que está na Netflix, Debra Granik levou à tela um trabalho quase homônimo (e que em nada se parece ao apresentado por Hoblit). Essas coincidências do cinema — e sobretudo das traduções pelas quais as distribuidoras optam — ainda hão de render seu próprio filme.


Filme: Sem Vestígios
Direção: Gregory Hoblit
Ano: 2008
Gêneros: Terror/Mistério
Nota: 7/10