A animação da Netflix-DreamWorks, roteirizada por Charlie Kaufman, é o filme mais visto em 113 países e supera a Disney DreamWorks / Netflix

A animação da Netflix-DreamWorks, roteirizada por Charlie Kaufman, é o filme mais visto em 113 países e supera a Disney

“Orion e o Escuro” mira crianças e acerta seus pais — e, de uma forma geral, qualquer adulto que mantenha um vínculo ainda que diáfano com a aurora de sua vida. O conto de um menino na terceira infância, hipocondríaco, neurastênico, paralisado por complexos, ou seja, infeliz, toma corpo pelas mãos de quem entende do riscado.

Um dos desenhistas de “Bob Esponja” (1999-2001), o fenômeno da animação idealizado por Stephen Hillenburg, originalmente  exibido pela Nickelodeon, Sean Charmatz adapta o livro homônimo da britânica Emma Yarlett, publicado em 2014, de modo a realçar a fantasia de tempos que deveriam ser de pura luz, mas que acabam resvalando num sofrimento desnecessário, ao qual o protagonista se agarra como uma espécie de desculpa para permanecer no mundo de autopiedade e autodestruição que construiu em torno de si — com a negligência amorosa de sua família.

Charmatz não faz questão de edulcorar um tema árido, que desperta suscetibilidades e mágoas inúteis, e justamente por esse motivo seu traço move-se ao sabor da computação gráfica, enxuta, mas potente, que aos poucos ilumina personagens que explicam a história e (a cabeça) do garoto.

É uma tarefa inglória misturar Arthur Schopenhauer (1788-1860), David Foster Wallace (1962-2008), Saul Bass (1920-1996) e Tycho Brahe (1546-1601) numa animação, mas Charlie Kaufman tira a empreitada de letra. O niilismo de Orion fica a anos-luz de qualquer lembrança da magnitude do gigante caçador da mitologia grega, tanto menos do brilho que inspirou o próprio Zeus a nomeá-lo dono daquela constelação bastante visível aqui no hemisfério sul, as nossas Três Marias. Kaufman, diretor do excelente “Estou Pensando em Acabar com Tudo” (2020) e roteirista também de “Adaptação” (2002) e “Quero Ser John Malkovich” (1999), ambos de Spike Jonze, dá a merecida atenção aos temores dessa criança traumatizada sabe Deus por que, esclarecendo logo que Orion passa por um momento de melancolia severa, a um triz da patologia.

Dublado por Jacob Tremblay, o personagem central não consegue trocar duas palavras com Sally, a garota com quem simpatiza, tem medo de abelhas, fobia de cães, delira que os pais vão se mudar enquanto ele está no colégio e, evidentemente, não suporta as trevas. Esse estimulante primeiro ato se conclui com o encontro do garoto com Escuro, o senhor da escuridão, que o conduz por um passeio ao redor do mundo, mostrando-lhe que novos dias só raiam porque existe a noite. Ou seja, Escuro é, na verdade, um grande benfeitor para o ser humano.

A interpretação de Paul Walter Hauser para este falso antagonista ganha fôlego à medida que o enredo se deslinda, mormente quando Escuro apresenta cinco assessores sem os quais seu trabalho seria impossível. Essa alegoria simples confere uma beleza a mais ao que Charmatz quer transmitir, ainda que o vaivém no tempo, com Orion surgindo em três gerações distintas, enfraqueça o resultado último.


Filme: Orion e o Escuro
Direção: Sean Charmatz
Ano: 2024
Gêneros: Comédia/Aventura
Nota: 9/10