O filme com Sandra Bullock assistido por mais de 30 milhões de pessoas na Netflix Kimberley French / Paramount Pictures

O filme com Sandra Bullock assistido por mais de 30 milhões de pessoas na Netflix

Misturar romance e aventura pode render histórias que não são nem de amor e muito menos ritmadas o bastante que possam ser tidas à luz de um conto sobre aqueles que arrostam o destino. “Cidade Perdida”, o épico sentimental de Aaron e Adam Nee, balança entre um e outro galho, mas não dá a menor sensação de que vá cair em hora alguma. Dinâmicos e multivalentes, os irmãos Nee seguram uma história eminentemente vesana tendo por norte o desempenho de seus atores principais, sempre uma ótima estratégia quando não se tem clara a via pela qual atingir o coração do público, feito de gente interessada nas angústias de uma mulher e um homem padecendo de adversidades insólitas, mas composto também daqueles que só querem especular acerca do fim dessa loucura toda. O roteiro dos Nee e outros três colaboradores acertam na mira ao investir na força do casal de personagens centrais, intérpretes hábeis, cada um a seu modo, para um filme estranho e saboroso.

Na primeira cena, o espectador já tem uma ideia sólida do delírio coletivo prestes a tomar conta da tela pelos próximos 112 minutos. Loretta Sage, uma escritora de literatura de aeroporto para mulheres solitárias, é vista atracada com um homem alguns anos mais novo em meio a serpentes enquanto um sujeito com um chicote os observa um nível acima, salvaguardado por capangas. A sugestão erótica do quadro não é apressada — os diretores aproveitam uma pletora de outras inferências como essa, conforme se vai assistir do segundo ato em diante — e não é preciso ser nenhum gênio para se prever o rumo que essa prosa vai tomar.

Enquanto isso, Loretta olha ao seu redor e acha tudo muito pouco verossímil: as cobras parecem excessivamente adestradas, uma vez que não atacam jamais, e ninguém tem certeza de como a dupla foi parar ali, caída sabe-se lá de que azul. A atitude mais prudente é jogar aquilo fora: tudo não passava de fragmentos do último tomo do novo livro de Loretta, que ela se esforça para terminar, mas não encontra a justa palavra, nem um gancho crível, sequer uma ideia que preste. Alan, o bonitão com doutorado em matemática aramaica responsável por salvar a mocinha de imbróglios dessa natureza, tem de ficar, claro, mas também ele está precisando mostrar serviço.

Os Nee tiram excelente proveito das situações em que seus personagens centrais se metem feito se tivessem vida própria e a partir de então, “Cidade Perdida” deixa-se arrastar para o olho de uma espiral de subtramas a princípio desvairadas, mas que vão se justificando organicamente. Sandra Bullock personifica, com alguns estereótipos, mas de forma genuína, intrépida, a mulher de meia idade que passa a questionar suas conquistas, alcançadas com a renúncia a uma vida conjugal duradoura e mesmo a boas horas de idílio e sexo aos sábados à noite, ao passo que Channing Tatum surpreende no papel do falso troglodita, musculoso, porém sensível, a própria encarnação das fantasias de Loretta, que também urde sonhos quanto à imagem da heroína de seus relatos sempre sob a sua figura. Essa brincadeira metalinguística é a graça maior do filme, sem muitas ambições, cujo elenco de apoio dotado de comediantes habilidosos só faz enriquecer o resultado final. E mesmo Daniel Radcliffe, meio canastrão na pele do antagonista, convence.


Filme: Cidade Perdida
Direção: Aaron e Adam Nee
Ano: 2022
Gêneros: Aventura/Ação/Romance
Nota: 8/10