O filme perturbador e selvagem da Netflix que vai grudar na sua cabeça Divulgação / Alfa Pictures

O filme perturbador e selvagem da Netflix que vai grudar na sua cabeça

Em “Sob a Pele do Lobo”, a solidão é tecida como um fio constante e intrínseco à condição humana, desdobrando-se através da história como um elemento imutável. O filme, um debut marcante do diretor Samu Fuentes, narra a existência isolada de Martinon, vivido com uma intensidade bruta por Mario Casas, cuja vida se entrelaça com as vastidões das montanhas espanholas.

Martinon, preso em um tempo esquecido, vive em uma casinha de pedra afastada do século 19, alheio ao conceito de civilização que jaz além de seus domínios. Seu mundo, reduzido a necessidades primárias e à caça de lobos, espelha a ferocidade e a resignação de uma alma que se vê refletida na solidão da natureza selvagem.

A narrativa desvela a figura de Martinon, cuja humanidade parece ter sido esgarçada pela constante solidão e pelo ambiente inóspito em que se encontra. A montanha, como uma presença quase consciente, torna-se testemunha e cúmplice de sua existência solitária. A rejeição de Martinon à ideia de companhia, seja na forma de um cão de caça ou de uma presença feminina, revela a profundidade de sua misantropia.

Contudo, essa resistência é posta à prova quando, por circunstâncias do destino e pressões sociais de uma época que tratava alianças humanas como meras transações, ele se vê frente a frente com Pascuala e, posteriormente, com Adela, interpretada com uma sensibilidade tocante por Irene Escolar.

A chegada de Adela insinua uma mudança no eremita, que começa a perceber um mundo além de sua existência selvagem. A relação entre eles, embora construída sobre as fundações frágeis de um substituto para uma irmã perdida, floresce em algo que poderia ser confundido com amor. Fuentes habilmente nos guia pelo labirinto emocional de Martinon, deixando-nos entrever uma vulnerabilidade antes inimaginável naquela figura austera.

Mario Casas, por sua vez, ultrapassa as barreiras de um roteiro que às vezes tropeça em si mesmo, entregando uma atuação que transcende a necessidade de palavras. Seu Martinon é um estudo em contradições, um homem que oscila entre a bestialidade e os vislumbres de uma sensibilidade quase esquecida. A performance é complementada pela cinematografia deslumbrante de Aitor Mantxola, cuja paleta quase monocromática amplifica a sensação de isolamento e austeridade que permeia o filme.

“Sob a Pele do Lobo” é uma obra que desafia expectativas e convenções, oferecendo um retrato intransigente de um homem que é, ao mesmo tempo, parte da natureza selvagem que o rodeia e um refúgio de emoções profundamente humanas. Com escolhas ousadas e uma execução que demanda tanto do espectador quanto do seu protagonista, o filme de Samu Fuentes é uma contemplação sobre a existência e a nossa inerente busca por conexão, mesmo quando nos encontramos no mais profundo isolamento.


Filme: Sob a Pele do Lobo
Direção: Samu Fuentes
Ano: 2017
Gênero: Drama
Nota: 8/10