Pura leveza para o seu dia: deliciosa comédia na Netflix vai te desligar dos problemas Divulgação / Netflix

Pura leveza para o seu dia: deliciosa comédia na Netflix vai te desligar dos problemas

Não seria de todo difícil resumir a origem do enorme descompasso que governa a humanidade desde que o mundo é mundo: bastaria se voltar a Caim e Abel. A história dos dois irmãos mais famosos do Gênesis, filhos do primeiro casal, não acaba bem, como todos sabemos, e a partir de então, crentes e ateus, agnósticos e fiéis, céticos e religiosos partilham de um mesmo temor, aquele que insinua que o apocalipse pode vir de muito mais perto do que se pensa. “O Plano de Sexta à Noite” não chega a tanto, claro, mas reafirma a terrível inclinação para o confronto de quem saiu do mesmo ventre e, num ponto específico da jornada, sente como se pesasse-lhe a cruz que o desafia a tomar novos caminhos, também embargando-lhe os movimentos. Vatsal Neelakantan consegue extrair graça de um enredo aparentemente banal, firme no objetivo de inspirar seu público a ler nas entrelinhas e saber do que em verdade se está falando por trás das cores e dos ruídos de uma produção bollywoodiana, seu trabalho de estreia como diretor. Seu roteiro, aliás, refuta o oba-oba fácil dos números musicais sem motivo e se concentra no belo enredo que até poderia exceder bastante os civilizadíssimos 108 minutos, que ficam ainda mais sóbrios em se considerando os padrões da opulenta indústria cinematográfica indiana.

Retratos de uma família cobrem uma parede. Avós, tios, primos escasseiam e dão lugar à foto de uma mãe e seus dois filhos, desenhando a linha do tempo que a vida dá por sagrada. Às seis e meia da manhã de uma sexta-feira, Siddharth Menon se levanta e vai até o banheiro, onde se arruma para outro dia de aula. Ao passo que olha sua imagem refletida no espelho, a trilha sonora de Rahul Kannan e Sandesh Rao enche o quadro com uma música que o acoroçoa a ouvir os barulhos ao seu redor — afortunadamente o único momento desse jaez no filme —, e logo depois a mãe avisa a ele e Aditya, o irmão caçula, sobre uma viagem a trabalho que fará sozinha. De imediato, Babil Khan, Juhi Chawla e Amrith Jayan selam o alto nível das performances, uma constante até a última cena. Chawla, cuja personagem não tem nome — um grande pecado mesmo num conto de adolescentes e suas pequenas grandes tragédias —, ausenta-se por boa parte de “O Plano de Sexta à Noite”, regressando somente no desfecho; nesse ínterim, Neelakantan desenvolve com esmero os conflitos que cercam Sid e Adi, invertendo a lógica que se tem por natural e centrando no mais novo a aura de destemido, farrista, estroina, conquistador. É esse o atalho de que a narrativa se vale para encaminhar-se para seu lance de maior tensão, com o recontro envolvendo um ovo e a farda de Suhas, um subinspetor da polícia de Mumbai. Ninad Kamat empresta alma aos diálogos entre cômicos e quase filosóficos de seu quase vilão, encarado com toda a sabedoria das ruas que Adi pôde juntar, a mesma que com que parece seguir desatando os nós dessa família diminuta, imperfeita e adorável, em imagens que, paradoxalmente, nos remetem aos comerciais de margarina de antanho.


Filme: O Plano de Sexta à Noite
Direção: Vatsal Neelakantan
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Comédia
Nota: 8/10