10 livros que farão o deputado enrubescer

10 livros que farão o deputado enrubescer

Semana, sim, e na outra também, o Brasil metamorfoseia-se numa usina de polêmicas artificiosas, sobretudo num meio que, por sua gênese mesma, teria a obrigação de, antes de mais nada, primar pela civilidade e, em havendo discordâncias, o que é hígido e até louvável, encorajar a análise fria dos assuntos em tela, expediente fundamental para o bom andamento das discussões e das urgências que inquietam e angustiam uma nação inteira. A controvérsia enganosa que vem andando na cabeça e nas bocas, para lembrar um escrevinhador que representa tão bem a fundura do pântano mental em que gostosamente chafurdamos, remete a um tal deputado. Recebi um vídeo em que o deputado solta outra de suas tantas flechas envenenadas, visando a conservar a pureza de nossos adolescentes. O distinto, de quem, assumo, nunca tinha ouvido falar até então (que falta a minha, santo Deus!), publicara em sua página oficial no Instagram um vídeo em que se insurge, colateralmente, contra o romancista Marçal Aquino. Prezando pela justeza, o deputado, que, fiquei sabendo, é — ou “está”, como eles preferem, achando que dessa forma ocultam sua sanha por publicidade e mando — deputado federal de Goiás, abriu fogo contra a Universidade de Rio Verde, a UniRV, instituição particular de ensino superior da cidade do sudoeste goiano, por causa da escolha dos textos do escritor paulista para apreciação nos enunciados das questões de seu próximo vestibular. Ou seja, Aquino, esse devasso, entrou no bolo de contrabando, porque a guerra santa que o deputado, obelisco à moral e aos bons costumes, deseja encampar é um pouco mais abrangente.

Sempre que despontam no belo horizonte da gloriosa República figuras como o deputado, que arvoram-se em paladinos do bom, do justo e do belo, defensores genuínos e abnegados da brava gente brasileira, que consideram perfeitamente natural e mesmo forçoso interditar o livre pensamento sobre qualquer assunto lançando mão de argumentos ad hominem, aqueles que ofendem a honra do interlocutor e não propriamente suas ideias, jogando-o às feras moucas, mas vorazes, das arenas do linchamento moral — o que, em verdade, são as redes sociais —, e tanto pior quando se trata da diversidade de visões de mundo, se me ilumina de pronto a lembrança de Hanns Johst (1890-1978). Alinhado ao nazismo até o fim da vida, aos 88 anos, num asilo de Ruhpolding, extremo sul da Alemanha, o poeta tornou popular a máxima que reza que quando escuta-se a palavra “cultura”, deve-se logo sacar um revólver. Como se sabe, os nobres ensinamentos de Johst nunca interromperam a marcha a galope sobre todas as civilizações do planeta, e o século 21 inclina-se à vergonhosa posição de uma das eras de maior triunfo do obscurantismo.

O deputado tem uma concepção muito idiossincrásica do que vem a ser educação, formação intelectual, livre-pensar, ideais sonhados por Platão (428-348) nos primórdios do que hoje se transformaram nas universidades, aos quais a academia brasileira renunciou há pelo menos trinta anos. Todos os cursos de todas as universidades Brasil afora reúnem numa única sala mais militantes da ignorância à direita e à esquerda do que cidadãos que desejem de coração, ardorosamente, mudar a sina triste de nosso povo, e isso não é um fruto podre que cai da árvore das eventualidades: trabalha-se de sol a sol — meios de comunicação de massa; artistas; a academia mesma; e as elites políticas, por evidente — no intuito de obliterar o pensamento, e por conseguinte, a ordem, o progresso, a fortuna e a transformação. E não se consegue nada disso sem atear fogo, com ou sem figura de linguagem, aos livros. O deputado talvez seja, no momento, a personificação do atraso em nosso país, ao qual só chega com um empenho digno de Girolamo Savonarola (1452-1498) e seu horror ao que sua insânia extremista tachava de profano.

Livros salvam homens e homens salvam a humanidade. O deputado faria bem em poupar o Brasil e os adolescentes brasileiros de seus carinhos, e ler mais, ainda que eu saiba que não o fará: vossa excelência precisa da estupidez, do cinismo e da retidão sem lastro na vida prática a fim de tecer seus ditirambos patranheiros em nome do que nunca poderá ser, não é mesmo? O deputado, dono de uma capivara gordíssima, certamente espera por sugestões para próximas cruzadas, e a Bula atreve-se a socorrê-lo. Escolhemos uma dezena de publicações de autores, em tempos diversos, sobre os quais o deputado pode debruçar-se, acusando o fim do mundo, a exemplo de “A Casa dos Budas Ditosos”, em que o baiano João Ubaldo Ribeiro (1941-2014) coloca na boca de uma senhora de 68 anos as pornografias que todos precisamos dizer de quando em quando. Como diria Dercy Gonçalves (1907-2008), a maior filósofa que já tivemos, palavrão é apenas a imagem distorcida que temos de coisas muito prosaicas. Como certa política e dados políticos teimam em ratificar.