Filme com Cameron Diaz e Tom Cruise, na Netflix, vai deixar carnaval perfeito, sem sobrecarregar seu cérebro David James / 20th Century Studios

Filme com Cameron Diaz e Tom Cruise, na Netflix, vai deixar carnaval perfeito, sem sobrecarregar seu cérebro

De vez em quando, o cinema sente a necessidade de se reinventar e começa por achar graça de si próprio, torcendo padrões até então sagrados. “Encontro Explosivo” é um caso bastante característico de histórias que não cabem em si mesmas, e James Mangold tem vasta quilometragem em afrontar o estabelecido. O diretor se sai muito bem ao indicar aspectos menos óbvios dos tipos humanos em que escolhe mergulhar, como em “Ford vs Ferrari” (2019), ou “Garota, Interrompida” (1999), e daí acabam surgindo cenas que vão além da mera fruição momentânea e permanecem no coração das pessoas, seja pelos diálogos, fluidos, mas exaustivamente estudados, seja pelo que mais a cena possa reunir de transformador, de mágico, de tão grande que possa merecer um espaço na lembrança. O caso de “Encontro Explosivo” é ainda mais específico. Neste filme, Mangold contorna qualquer tom solene que possa se anunciar, sobretudo em se analisando os trabalhos que o fizeram um realizador de prestígio, e concentra-se no que pode haver de espontâneo, de quase inusitado, no que o enredo vai destrinchando.

Ainda no primeiro ato, a audiência já está cooptada pela atmosfera de caos absoluto que domina o roteiro de Patrick O’Neill até o final feliz, já torce pelo improvável casal feito por Tom Cruise e Cameron Diaz e, ao mesmo tempo, não prescinde da história, que tem o condão de mudar completamente a cada segundo que passa. Roy Miller e June Havens esbarram fisicamente um no outro, e mais de uma vez, num aeroporto do Kansas, no centro-oeste americano, cada qual com sua correria, seus compromissos, sua pressa em chegar, ela ao casamento da irmã caçula, April, de Maggie Grace — na verdade, como a personagem de Diaz esclarece depois, o casamento mesmo seria apenas no sábado, mas quem gosta de ficar preso num aeroporto o dia inteiro? —; ele, bem, ele parece um desses homens de meia-idade, ainda bonitos e com algum dinheiro, sem muita ideia sobre o que fazer da vida. Parte da identidade desse homem misterioso, um tanto sinistro, é revelada por George, a agente sênior do FBI vivida por Viola Davis numa participação-relâmpago quando a trama começa a tomar corpo — a excelência do elenco de apoio é outra das marcas de “Encontro Explosivo” —, que se repete também brevemente na iminência do desfecho. Tudo quanto se sabe de certo é que ele foge dela, e isso, naturalmente, contribui para que a moça se sinta mais e mais atraída.

As brincadeiras do texto de O’Neill, muito bem aproveitadas por Mangold, insinuam-se com mais força ainda no deslocamento dos dois numa aeronave quase vazia, o que agrava a evidência de que um evento qualquer há de pipocar de um momento para o outro, o que se comprova. Enquanto June vai ao banheiro retocar a maquiagem e borrifar jatos de um antisséptico bucal, já preparando-se para o bote, Roy e atacado por marmanjos furiosos, ocasião em que Cruise é instado a colocar em prática as técnicas que foi absorvendo nos longas da franquia “Missão: Impossível” e, como não poderia deixar de ser, dá cabo de todos eles antes que a involuntária companheira de jornada volte. O ímpeto libidinoso de June, turbinado por doses de tequilas e a pressurização ineficaz, não é correspondido, mas a seguir, eles estão num bangalô rústico numa praia deserta, esperando que o destino se encarregue deles.

A exemplo de Davis, as atuações de Peter Sarsgaard como Fitzgerald, o imediato de George, e Paul Dano na pele de Simon, uma versão mais jovem e igualmente destemida de Roy, destacam-se numa narrativa definida pelo dinamismo. Cruise e Diaz, por seu turno, conservam o filme sempre a um passo de um nonsense, um levantando a bola para que o outro corte. Se ele tem anos de missões impossíveis a seu favor, em “Encontro Explosivo” vê-se muito da Diaz de comédias românticas escrachadas à “Quem Vai Ficar com Mary?” (1998), quando respondeu à altura o desafio proposto pelos irmãos Farrelly de dar vida e substância dramática e histriônica a uma bela mulher. É essa a dimensão da bomba que Mangold consegue desarmar.