O Amós Oz que vai ficar na história da literatura não é o militante, é o escritor

A Academia Sueca que concede o Nobel de Literatura cometeu pelo menos dois erros nos últimos anos: não deu o prêmio a dois grandes escritores — Philip Roth, americano, e Amós Oz, israelense. Roth morreu em maio, aos 85 anos. Amós Oz morreu na sexta-feira, 28, aos 79 anos. Sua filha Fania Oz-Salsberger disse no Twitter: “Meu amado pai acabou de morrer de câncer após um rápido declínio. Ele estava dormindo tranquilo e cercado por pessoas que amava”.

Amós Oz é um grande escritor, mas, nos últimos anos, ficou mais conhecido como militante político. Pacifista, advogava um Estado israelense — o que desagradava a direita de Israel — e um Estado palestino. Na sua opinião, a existência de dois Estados poderia garantir a paz entre os dois povos. Era respeitado, admirado, mas não era ouvido pelo establishment de Israel.

Cenas da Vida na Aldeia
Cenas da Vida na Aldeia , de Amós Oz (Companhia das Letras)

Os que se interessam pelo militante e intelectual certamente vão ler (ou já leram) “Como Curar um Fanático: Israel e Palestina — Entre o Certo e o Certo” (Companhia das Letras, 104 páginas, tradução de Paulo Geiger) e “Mais de uma Luz — Fanatismo, Fé e Convivência no Século XXI” (Companhia das Letras, 136 páginas, tradução de Paulo Geiger). Tratam-se de ensaios polêmicos e moderados. Moderação, por sinal, é o que falta na relação conflituosa e, quase sempre, insensata entre israelenses e palestinos. Os livros são curtos, mas perspicazes. Quase miniguias para a paz, que, espera-se, um dia nascerá no Oriente Médio.

Mas “Como Curar um Fanático” e “Mais de uma Luz” não são o que Amós Oz escreveu de melhor. O que vai ficar mesmo deste grande escritor é sua literatura — que não ignora a história, mas a recria por meio de sua imaginação poderosa. Vale a leitura de “Rimas da Vida e da Morte”, “Meu Michel”, “A Caixa Preta”, “Conhecer uma Mulher”, “Pantera no Porão”, “O Mesmo Mar”, “Entre Amigos”, “O Monte do Mau Conselho”, “Uma Certa Paz”, “Cenas da Vida na Aldeia” e “De Amor e Trevas” (narrativa autobiográfica).

O Amós Oz que vai ficar, na história da literatura e dos homens, é mesmo o escritor. O militante passa — com as circunstâncias que o geraram.