Não seja burro. Não anule o seu voto e nem vote em branco

Não seja burro. Não anule o seu voto e nem vote em branco

Tá foda, mas, não vou pra Flórida. Conheço uns caras que se mandaram pra lá, recentemente, de mala e cuia, levando mulher, filhos e papagaio. Dizem que a Flórida se parece com o Brasil. Tem muito calor e latinos por lá. Que se dane. Se for pra continuar latindo, prefiro fazê-lo aqui mesmo, usando o meu velho português ruim.

Confesso que já estive em Miami, mas não gastei um único dólar naqueles shoppings monumentais lotados de débeis mentais sacando cartões de crédito a torto e a direito. Juro que não nasci pra torrar grana. Bom mesmo foi andar pela tórrida Ocean Drive, uma das avenidas que serviu de locação para o remake de “Scarface”, em 1983. Quase pude ouvir, novamente, o barulho da motosserra trabalhando, picando o comparsa de Tony Montana (Al Pacino) dentro da banheira de um apartamento. Foi a partir daquele filme de Brian de Palma que comecei a amar Michelle Pfeiffer.

E por falar em amor e atrocidade, um amigo me contou que seu filho adolescente foi assaltado. Encontrei-os tomando uma gelada num boteco, amortecendo o trauma. O garoto tinha uma marca amarronzada, anular, no meio da testa. Perguntei se aquilo era uma nova mania entre os jovens, da qual eu andava desinformado. Sei lá, depois que meteram piercing em pênis e clitóris, não me surpreendo com mais nada doloroso e contestatório que advenha das novas gerações. O moleque foi assaltado por uma dupla de celerados enquanto esperava num ponto de ônibus, à noite, após sair da faculdade. Como não tivesse nada de tanto valor, a não ser a própria vida, os meliantes irritaram-se pra cacete. Um deles, o feioso que segurava a arma de fogo, disparou duas vezes para o alto e encostou o cano quente e fumegante na testa do rapaz. Segundo o covardão, o garoto ia ganhar a marca do berro na cara pra deixar de ser trouxa e de andar sem grana na carteira. Depois, ordenaram que ele se despisse, levaram o par de tênis e um telefone celular antiquado que devia valer menos que as duas balas de revólver que eles gastaram.

Ando sem saco para sonhar, sabem? Deve ser da idade. Mesmo assim, muitas vezes, eu me pego pensando como seria incrível caminhar à noite pelas ruas da cidade, sem ser atacado por delinquentes (meus irmãos, meus pares, meus iguais). Definitivamente, a premissa do direito constitucional de ir-e-vir não funciona no Brasil. Sei lá. Se eu fosse rico, talvez vazasse do país também, em busca de plagas menos violentas. Afinal, a tendência dos abastados é pensar e agir visando à integridade dos próprios clãs, acima de tudo. Como é que eu vou saber? Considero a violência urbana o pior pecado do Brasil. Tenho ouvido muita gente reclamar disso. Muitos creditam a desgraceira reinante aos políticos, acusando-os de serem todos corruptos, farinha do mesmo saco. É comum ouvir que a saída para a crise moral e ética do país seja protestar atirando nos próprios pés, ou seja, anulando os votos nas próximas eleições. Ora, então, quem vai protestar, aqui e agora, sou eu: não sejam burros, não anulem os seus votos, muito menos votem em branco.

Não será admissível resolvermos as nossas diferenças valendo-nos de motosserras esquartejadoras, embora os dedos cocem de vontade. Toda forma de violência desmoraliza a espécie humana. Além de educar pessoas, a arma que devemos sacar é o voto consciente. E que isso seja feito da maneira mais ponderada possível, estudando o perfil e o histórico dos candidatos, separando o joio do trigo, rejeitando os canalhas, elegendo os melhores candidatos (há sempre algum doido bem intencionado dentre tantos velhacos).

Como povo, é fato que não somos lá grande coisa, mas ainda tem gente que trabalha e sonha por um país mais decente, igualitário, educado e seguro. A marca da maldade que um feioso deixou na testa daquele rapagão de 20 anos, filho do meu amigo, doeu também em mim. Senti um misto de indignação, vergonha e raiva. O que fizeram não foi justo. E há tantas injustiças nesse país, não? Simplesmente, não dá pra eu me mandar daqui sem deixar esse tipo de coisa minimamente resolvida. Não dá mesmo. Sei que é foda, mas, a Flórida que espere.