A tristeza é uma fome que nos come por dentro

A tristeza é uma fome que nos come por dentro. É a chuva ácida. Um velho ácido inundado de lembranças. A tristeza é uma noite de domingo. É um cavalo sem expectativas a dormitar na sombra. Uma mente brilhante com medo do escuro. A tristeza é uma casa vazia cujas vozes saíram pra comprar cigarros e nunca mais voltaram. É um trator a demolir as memórias de um prédio. Tomar pílulas para aplacar a histeria e o tédio. A tristeza é encontrar uma carta que andava sumida. É o excesso de passado. Passar a noite inteira a perseguir um sonho. A tristeza é cair na real. É acordar de um pesadelo e constatar que tudo não passava de uma tragédia mesmo. Ganhar dinheiro perder amigos empatar a vida. A tristeza é uma árvore centenária que tomba em apenas três minutos. É o avanço da burrice insustentável. Vender-se. A tristeza é o guri que mata feito gente grande. É desejar que esse guri morra. A foto na primeira página de um guri sem cabeça. A tristeza é rezar para que Deus nos proteja dos nossos semelhantes. É antes de tudo nos armarmos uns e outros. Matar alguém em legítima defesa da morte. A tristeza é o pior ataque. É comemorar um gol sozinho. Buscar a bola nos fundos de uma rede virtual de amigos. A tristeza é um rio que secou. É um cardume de pneus se reproduzindo fora da piracema. A cena de um crime de lesa-pátria. A tristeza é quando alguém que amamos enlouquece. É ouvir da própria mãe um “Quem é você?”. A saudade de um colo impossível. A tristeza é um jovem com pensamentos antiquados. É desconhecer a própria história. Pregar com os pregos da fé a intolerância ao próximo. A tristeza é se sentir sozinho num Maracanã lotado. É desperdiçar tempo a convencer os ponteiros para que eles rodem no sentido anti-horário. Tecnologia de ponta em prol do individualismo. A tristeza é levantar muros na fronteira. É nos cercar de arame farpado para que o resto da nossa humanidade não fuja. Migrar sem rumo certo até se esvair pelo caminho. A tristeza é se tornar pedra. É transformar a poesia em coisa de veado. Dar razão aos néscios e às estatísticas. A tristeza é achar o mar salgado demais e o vai-e-vem das ondas muito repetitivo. É morrer na praia sem sequer ter nadado. O nada que se descortina.