Como cancelar o pacote da internet sem precisar matar a mãe

Como cancelar o pacote da internet sem precisar matar a mãe

Eu já sabia que esse pessoal do telemarketing jogava pesado contra os clientes quando o assunto era negociar ou cancelar planos de telefonia. Era mais fácil um deputado entrar no céu ou um camelo passar pelo buraco de um deputado. Com a faca entre os dentes, armei a seguinte estratégia: ia dizer que tinha perdido o emprego, que ia me mudar do país ou que estava padecendo de uma doença terminal. Decidiria a farsa mais adequada durante a conversa.

— Bom dia pra você também, moça. Preciso cancelar o meu pacote da internet aqui de casa. Pode cuidar disso pra mim?

— Mas por que o senhor vai fazer uma coisa dessa, senhor Vencio?

Não apenas achei aquela pergunta petulante, mas, descabida. Porém, como eu já disse, eu estava preparado para a guerra, para o que desse e o que viesse. Juro pela sua mãe — ai, que saudades eu sinto dela! — que aquele bando de atendentes robotizados testaria as últimas migalhas da minha fé na raça humana, que eu usava para alimentar e envenenar os pombos. Não sei quanto a vocês, mas não vejo a menor graça nesse tipo de passarinho. Ave da paz é o cacete! Tanta diarreia batendo asas sobre a cabeça, isso sim, tira a minha paz.

— Moça, estou desempregado há um mês e preciso cortar despesas. Dá pra você me ajudar? — eu já tinha me arrependido por não dizer que me mandaria de mala-e-cuia do país pra levar uma vida de quinta num país de primeiro mundo.

— É. A crise tá feia, senhor Vencio? Tenho uma prima que tá indo pros States. O senhor não imagina o que tem de gente ligando aqui, vinte e quatro horas por dia. Também, com tanta roubalheira no governo, quem é que aguenta né, senhor?

Minha sapiente mãe já me alertara um sem número de biscoitos de queijo com café que a gente não devia brincar com doença, com morte ou com o diabo. Ela não gostava. Deus não gostava. O homem do saco preto não gostava. Tanto se fala que a coisa acaba acontecendo. As palavras têm poder, pequeno boçal — ela dizia, ao passo que espremia bernes das minhas costas. Duvidando do poder das palavras, continuei insistindo, inventando, mentindo, teimando com mamãe. Em certas circunstâncias, a mentira é plausível.

— Moça, não me leve a mal, mas eu preciso muito que você cancele a minha internet do plano de telefonia fixa, por favor.

— Mas, senhor Vencio, como é que o senhor pretende conseguir um novo emprego se desligar a internet? Aliás, qual a profissão do senhor mesmo?

Fiquei com vontade de dizer que eu trabalhava como serial killer, uma espécie de facínora especializado em executar, violar e sumir com os cadáveres de atendentes de telemarketing.

— Poeta.

— Heim?

— Poeta.

— Humm… Poeta deve ganhar bem né, senhor Vencio? Tenho um cunhado que faz letras de música pra duplas sertanejas. Ele é muito talentoso, sabe?

Considerando que eu já tinha falado com dois atendentes antes de secar saliva com aquela jovem cujo cunhado vendia a alma ao diabo em busca de fama e dinheiro, eu já estava dependurado ao telefone tinha bem uns vinte minutos. Sei que mamãe jamais aprovaria isso, mas eu devia ter dito a ela que estava deflorando um azeite extra virgem, ao passo que conversávamos. Valia qualquer esforço para economizar bile e cancelar a bendita da internet.

— Moça, eu não sei se você já ficou desempregada alguma vez na vida, mas, posso garantir que é uma merda — floreei feito um designer de interiores. Nem queira passar pelo que estou passando. Tenho mulher e filhos. Tô numa pindaíba danada. Tô latindo no quintal pra economizar cachorro. Tô usando os dois lados do papel higiênico, pra você ter ideia do tamanho do meu problema — achei gozada aquela parte da história; às vezes, sou mais espirituoso que um espírito-de-porco.

— Deus me livre! Ainda tô namorando. Meu noivo é concurseiro. Tô esperando ele passar nas provas pra gente casar. Deve ser uma barra, senhor Vencio. Por isso, eu acho que o senhor não deve ficar sem internet em casa.

Juro pela minha apólice de seguros que desejei matá-la e acabar de vez com a possibilidade daquela contração de matrimônio. Eu, por exemplo, preferiria mil vezes contrair uma sífilis do que me casar com ela.

— Moça — nunca falara tantas vezes a palavra “moça” desde que eu perdera a virgindade num bordel que vendia sexo a granel — , você pode fazer o que eu solicitei?

— Olha só o que eu vou fazer pro senhor, senhor Vencio: o senhor vai continuar com o mesmo plano da internet, com a mesma velocidade de acesso da banda larga, e vai pagar só metade do preço que o senhor paga hoje. Ficou ótimo assim, não ficou, senhor Vencio?

— Moça, eu não quero desconto. Eu quero parar de pagar a porra da internet.

— Imagina! Ficar sem internet em casa nos dias de hoje. Ninguém faz isso. Tem jeito não, senhor Vencio. Como é que o senhor vai conseguir outro emprego de poeta sem possuir uma banda larga?

Pensei em esbofetear a sua provável bunda larga com um porco-espinho de ombros largos, mas me lembrei do aconselhamento materno. Mesmo assim, parti para a ignorância verbal.

— Moça, você devia sentir vergonha de se prestar a um papel como esse, de trabalhar numa empresa maliciosa e desonesta como a sua. Vai casar, minha filha. Larga esse emprego.

— Como é que é, senhor Vencio? Não entendi. A ligação ficou ruim — a essa altura da conversa, ela já jogava contra o patrimônio.

— Moça, se você não fizer o que eu pedi vou meter uma bala na minha cabeça agorinha mesmo.

— Como assim, senhor?

— Tô com o cano do revólver encostado na minha têmpora. Vou puxar o gatilho e… bang! Fim do desconto. Fim da internet. Fim de papo. E a culpa vai ser toda sua. Não se esqueça que, para minha segurança, esta conversa está sendo gravada. Lembra-se?

— O senhor tem uma arma-de-fogo em casa, senhor Vencio?

— As crianças estão aqui na sala, na minha frente, brincando de sufocar o gatinho num saco de plástico. Vai voar miolo-da-cabeça-do-senhor-Vencio pra tudo quanto é lado. Você vai estragar uma mera brincadeira infantil.

— Calma, moço! — pela primeira vez em quarenta e sete minutos, alguém naquela empresa de telefonia me chamava de moço. Fiquei até lisonjeado. Quase desisti do intento.

—  Vai fazer ou não vai fazer, moça? Quer sair nos jornais de amanhã? Você vai virar notícia, filhinha.

— Para com isso, senhor Vencio. O senhor tá me assustando. Vamos conversar.

— Tem quase uma hora que estamos conversando e, até agora, nada.

— Não faça uma loucura como essa — ela começou a chorar; e eu, a sorrir. O ser humano é estranho, vocês sabem.

— Dou-lhe uma, dou-lhe duas…

— Ai, meu Deus! Eu não aguento isso! Vou estar transferindo a sua ligação para o meu supervisor. Aguarda na linha, por favor. Não desliga, senhor Vencio! Não aperta o gatilho, senhor Vencio!

Eu me sentia dentro de um filme de Quentin Tarantino. Nunca me divertira tanto desde o funeral de um palhaço. Mesmo assim, ainda não tinha conseguido me desfazer da porcaria da internet.

— Bom dia! Em que posso ajudá-lo, senhor? Seu nome e CPF, por favor — disse um sujeito com voz efeminada.

Cinquenta minutos cravados. Atirei. Atirei o telefone contra a parede. O aparelho espatifou. As crianças já tinham crescido. Elvis — o gato — fugiu do meu colo, com medo de morrer. Mas, Elvis não morreu. Por que nenhum órgão fiscalizatório dava um jeito nos abusos das operadoras telefônicas? Quanto desrespeito e má fé. Eu juro que não queria ter escrito esta crônica. Na verdade, eu só queria mesmo era que alguém cancelasse o tal pacote da internet. Era só isso, gente.