Eu gosto de ler Paulo Coelho, de tomar injeção e de comer jiló

Eu gosto de ler Paulo Coelho, de tomar injeção e de comer jiló

Eu gosto também de me resfriar com as chuvas de verão. Gosto da coriza, dos 40 graus de febre, de curtir ressaca brava e de preparar fumegantes chás de boldo. De amarga, já basta a vida? Ao contrário das seriemas e do resto da humanidade, eu gosto das cobras (porque, como eu, elas engolem sapos).

Eu gosto de votar em políticos que adesivam o meu carro com fotos, números e slogans, que encham semanalmente o tanque de gasolina, e que coloquem créditos no meu aparelho celular. Eu gosto de acordar bem cedo no domingo e votar no primeiro candidato cretino que me venha à mente. Bom mesmo é vender o voto. Eu gosto de desfazer planos para o futuro, entende?

Eu gosto de provocar indignação, de gerar dúvidas. Eu gosto de contrair matrimônio e dívidas. Eu gosto de adoecer só para ler as bulas de remédios. Eu gosto de atestados médicos. Eu gosto de remediar. Eu gosto de furar qualquer tipo de fila, desde que não sejam filas da puta, nem filas para as câmaras nazistas para extermínio. Eu gosto do atual salário mínimo.

Eu gosto de levar susto. Eu gosto do atendimento do SUS. Eu gosto de hospitais, do cheiro do éter, de viajar na maionese, ser acometido por colônias de salmonelas e pensamentos inovadores. Eu gosto das dores do parto. Eu gosto da diarreia, da gonorreia e dos biscoitos embolorados da Dona Neia. Eu gosto de comer hóstia, escargot e o pão que o diabo amassou.

Eu gosto de carregar bíblias sob o sovaco para construir escolioses eternas. Eu gosto de suar a camisa em templos lotados de crentes. Eu gosto de cerveja quente, de boi doente e de mulher da gente. Eu sou como a maioria de vocês: eu gosto de me sentir diferente, embora que seja igual a todo mundo.

Eu gosto dos shows que atrasam além dos vinte minutos previstos em lei. Eu gosto de frequentar baladas com música ruim, só pra pegar mulher boa. Eu gosto das poposudas da laje, das peitudonas da marquise, das siliconadas do terraço. Eu gosto (admiro pra-caralho) de todos os cirurgiões plásticos do planeta. Eu gosto de cantar de cor e salteado todos os refrãos onomatopeicos da música popular brasileira, desde o “tchan tchan tchan tchan tchan” até o “tchê tchererê tchê tchê”. Eu gosto, enfim, de todo tipo de música comercial que venda bem não importando a quem. Eu gosto mesmo é da quantidade.

Eu gosto de construir torres gêmeas com livros de capa dura, principalmente os clássicos da literatura, a chamada “leitura essencial”. Eu gosto de meter o pé em todas elas, derrubando-as como se fosse Bin Laden. Eu gosto de toda aquela filosofia esparramada pelo chão. Eu gosto de desmentir os Pensadores.

Eu gosto de frequentar academias literárias, de acordar os velhinhos imortais recostados nas suas bengalas, de tomar chá gelado com eles, de comer bolachas sabor água e ouvir saraus insossos. Eu gosto de gente que não larga o osso. Eu gosto de massagear o ego dessa gente. Eu gosto das massagens a quatro mãos das universitárias legítimas que executam qualquer fantasia sexual, até o fim e sem frescura.

Eu gosto do calor da discussão. Eu gosto de ficar preso no congestionamento curtindo o por do sol. Eu gosto de saber que a indústria automobilística quebrou mais um recorde de vendas de carros novos. Eu gosto da isenção do IPI. Eu gosto das metas do Governo. Eu gosto de superávits primários, embora não faça ideia do que isto significa. Eu gosto de me divertir com depoimentos nas CPIs do Congresso. Eu gosto de pagar Imposto de Renda.

Eu gosto do horário eleitoral gratuito. Eu gosto de ouvir “A Voz do Brasil”. Eu gosto das propagandas da Casa Bahia. Eu gosto de depilar as virilhas. Eu gosto da cava rasa, da cava funda, da depilação a laser e do lazer garantido. Eu gosto do meu urologista. Eu gosto dos períodos de carência dos planos de saúde. Eu gosto de brindar com vinho barato.

Eu gosto de quebrar o espírito natalino. Eu gosto desta fama de ateu. Eu gosto de contar piadas em velórios. Eu gosto de parar o carro em fila dupla para espiar como foi mesmo o acidente. Eu gosto de dor de dente. Eu gosto de beijar o seu mau hálito. Eu gosto de tártaros. Eu gosto dos meus maus hábitos. Eu gosto de nadar e morrer na praia. Eu gosto de ressuscitar dúvidas ao terceiro dia. Eu gosto das terceiras vias.

Eu gosto das vaias, dos apupos e das poluções noturnas sobre o lençol. Eu gosto dos efeitos colaterais dos remédios e das reações adversas dos críticos. Eu gosto do suposto romance de Cristo com Madalena. Eu gosto do sabor da cibalena. Eu gosto de criar polêmicas em cativeiro. Eu gosto de ler poesia no banheiro. Eu gosto do gosto de fel dessas palavras. Eu gosto de fingir delírios. Eu gosto. E gosto não se discute, certo?