A tristeza dói. Ser feliz dói mais ainda

A tristeza dói. Ser feliz dói mais ainda

Viver dói. E não estamos pensando somente nas dores de dente e nem nas cólicas renais que nos desafiam a sorrir. Muito menos na artrose que nos retardam a caminhada. É que sabemos o que está escondido atrás das fotos sorridentes nas redes sociais, das dificuldades de lidar com sonhos frustrados e do silêncio pesado de uma noite mal dormida. Sim, é isso que dói.

Vejamos bem. Começar outra vez não é para os fracos. Sempre haverá críticas e julgamentos sobre a decisão de quem resolveu mudar mesmo não tendo certeza do que está fazendo. Mas precisamos seguir em meio às nossas próprias dores e dúvidas para assumir a mudança. Somente assim iremos atrás de um futuro, mesmo que incerto, mas cheio de vida no presente.

Porque da morte, chegam as nossas desgraças diárias, nas discussões por bobagens, com as picuinhas de gente competitiva e invejosa. Da morte, bastam as guerras estúpidas e sem sentido que ocorrem todos os dias, do outro lado do mundo e na esquina. Chega. Nós escolhemos viver o agora, viver já, o quanto antes de morrer dia após dia.

E não tem problema se não sabemos como. Viver é atrever-se. É ser mais que uma pessoa feita de sonhos e fantasias, mas correr atrás da sorte. É pegar na mão do hoje para abraçar o amanhã. É questionar o porquê das coisas e escolher o que nos preenche. Porque procuramos alguém que possamos ver, e não somente um prêmio para dizermos que temos companhia.

Porém, algumas vezes o atrevimento demora. Primeiro, porque confiar nos próprios instintos requer coragem. Como reconhecer que somos estrelas perdidas tentando iluminar a nossa própria escuridão. Depois, porque ainda temos que encarar o espelho de nossos próprios medos.

A aflição está aqui dentro, na incompreensão da morte e na brevidade da vida. Nos romances que acabam, nas crianças que morrem. Nos lares que despencam com o vendaval da natureza ou da discórdia. Nas flores que murcham quando não recebem esperança. Nas doenças crônicas, nos filhos que não nascem e no amor que nunca chega.

É por isso que, vira e mexe, a tristeza aparece impiedosa, arrastando alicerces e desfazendo certezas. O sonhado atrevimento fica sem jeito, procurando sentido nesse mundo que gira rápido demais enquanto a dor não passa, enquanto uma explicação não aparece.

Deixemos, pois, a tristeza entrar. Recebendo-a, aprendemos a lidar com ela. Perceba, a beleza nasce da tristeza. Rubem Alves disse “O pôr do sol é triste porque nos conta que somos como ele: infinitamente belos em nossas cores, infinitamente nostálgicos em nosso adeus”. É nos dias silenciosos que as palavras ganham novos sons, é depois da tempestade que nasce o arco-íris. A dor nos fortalece para o amor. O nosso e o dos outros.

Que nossas lágrimas se tornem a bebida de nosso hoje; e que nossas melhores memórias nos guiem ao depois de amanhã. Que o olhar cuidadoso de nós mesmos transforme nossa visão de dentro para fora, nos lembrando de que somos capazes, mesmo com as incertezas que compõem as belezas do dia a dia.

Sejamos o passarinho que canta em nossa janela amanhecendo a alegria. E que a lembrança desse canto sempre nos traga a compreensão e o alívio para nossa dor. “A liberdade é o alimento do amor”.

A tristeza dói. Ser feliz dói mais ainda. Porque nos atrevemos a sermos livres!

Ilustração: Gesine Marwedel