O amor é a seresta que fazemos para os nossos sonhos

O amor é a seresta que fazemos para os nossos sonhos

Meu avô materno, José Volpato, era filho de descendentes de italianos que vieram ao Brasil, no final do século 19, para trabalhar na lavoura do interior do Estado de São Paulo. O “italianinho de Piracicaba”, como meu avô se intitulava, essa semana teria feito 100 anos se ainda estivesse vivo.

O início da sua vida foi difícil por causa da pobreza e falta de recursos. Ele dizia que calçou seu primeiro sapato aos 16 anos. Mas conseguia ser alegre apesar das dores físicas, não perdia a esperança apesar das dificuldades. Tinha 20 anos quando conheceu minha avó, Ida Catarina, em um baile de Carnaval. Naquela noite, eles se apaixonaram e iniciou-se uma história de amor costurada por lutas, sonhos e serenatas.

Ele cantava para minha avó na frente da casa dela. Era afinado, e nas minhas lembranças de reuniões familiares, colocava paixão na sua interpretação. Imagino os olhos vislumbrados e o coração dançante da minha avó com 18 anos, debruçada em sua janela, assistindo aquele moço bonito de olhos azuis cantando “Noite cheia de estrelas”, que foi a música deles.

Meus avós trabalharam juntos nos cafezais da elite aristocrática brasileira. Vovô não tinha estudo primário completo, mas em sua simplicidade honesta era ambicioso. Sua obstinação era que todos os seus dez filhos fizessem faculdade. Por causa disso, era ridicularizado quando dizia aos seus parentes que teria um filho médico. Nos momentos de sofrimento, dúvidas e desânimo, a vó Ida era sua grande incentivadora. Ele a chamava de “minha Rocha”.

Após o nascimento do seu primeiro filho, que recebeu o mesmo nome do Doutor da Vila e, muitos anos depois, veio a se tornar o primeiro médico da família, mais nove filhos vieram junto com seus sonhos impossíveis. Para o Seu Zico, como era chamado o meu avô, lutar era mais fácil que ceder. Ele montou um armazém e rompeu o limite provável de um pobre caipira sonhador. Depois, teve uma padaria onde passou noites em claro amassando seus pães e medos.

Era um homem de fé. Tinha pregado na balança da padaria: “Se Deus nos ajudou até aqui, certamente nos ajudará até o fim”. Ensinou-nos a acreditar em nossos sonhos. Mesmo quando estamos cansados à noite, temos o outro dia para começarmos tudo de novo. Tinha frases que repetia sempre, como “Quem persiste, triunfa!” e “Tem que ser 100% honesto, 99% honesto é desonesto”.

Ele me chamava de “linda flor do vô”. Aquele homem de cabelos branquinhos, sentado à ponta da mesa de jantar, metodicamente preparando seu cigarro de palha, contava entusiasmado como tinha sido a sua vida, que todos os filhos fizeram faculdade e sempre brincava que tinha quatro filhos médicos, mas nenhum curava o seu “joelho podre” pela artrose! Ele que não recusava trabalho e nos inspira até hoje, e que sempre nos dizia “estude para saber”.

A última vez que o vi cantar para a vó Ida foi no velório dela: “Lua! Manda tua luz prateada despertar a minha amada. Quero matar meus desejos, sufocá-la com meus beijos. Canto, e a mulher que eu amo tanto não me escuta, está dormindo. Canto, e por fim, nem a lua tem pena de mim. Pois ao ver que quem te chama sou eu, entre a neblina se escondeu…”.

O brilho dos seus olhos sumiu depois que a vovó faleceu. A alegria e a vontade de viver do meu avô tornaram-se silêncio triste. Seu riso foi perdendo a força até ele se entregar a essa vida aqui na terra para encontrar com a sua amada lá no céu.

Hoje o céu está risonho, ele e a vovó devem estar contentes por verem lá de cima que seus filhos, netos e bisnetos comemoram o centenário do Seu Zico.

E, assim, seguimos em frente. Mesmo naqueles momentos em que a vida aperta, quando parecer não haver saída, sigamos em frente. Porque é sempre em frente que se vive. Viver tem desafios e dúvidas, mas a sabedoria é o nosso maior escudo para ser forte.

A memória guarda o que é bom, carinhoso e bonito, como os avôs de cabelos brancos e perfume exagerado, de camisas de linho e mãos calejadas. Como a história dolorosa de um amor, e a alegria da flor que brota do impossível chão.

Então, nosso coração dança com as músicas que cantamos juntos, faz seresta pra quietude e acorda a noite estrelada.