Podemos estar separados por distâncias, mas estamos juntos pelos mesmos sonhos

Podemos estar separados por distâncias, mas estamos juntos pelos mesmos sonhos

Passaporte, caderno, expectativas. Passagem aérea, canetas, alegria. Bilhetes de trem, livro, sonhos. Estava tudo na mochila. A viagem que começara dentro já era hora de continuar lá fora. Foi assim que me despedi dos meus pais no aeroporto rumo à maior aventura da minha vida.

Quando a dor se torna insuportável e os medos passam a andar de mãos dadas com as nossas dúvidas, chega aquele momento em que precisamos fazer alguma coisa para mudar a direção, ou então somente ajustar os nossos passos para prosseguirmos no mesmo caminho. Afinal, o sofrimento é condição de ser gente, e é normal sentir-se perdido alguma vez nessa vida.

Assim eu decidi viajar pela primeira vez sem a companhia de alguém. Arrumei minhas coisas e juntei os meus pavores ao meu diário de viagem e minhas canetas coloridas, pois eu sabia que juntos, mais cedo ou mais tarde, eles se encontrariam nas folhas em branco dessa nova história que seria contada dentro de mim.

Mas o que eu não sabia é que a solidão não anda sozinha. Ela chama a companhia de quem sofre, de quem anda só por aí, em busca de si mesmo ou de algo que ainda não descobriu.

Pelos caminhos por onde andei, conheci pessoas do mundo todo. Fiz amizade com uma colombiana que viajava por alguns meses porque precisava respirar longe dos problemas que a faziam infeliz, principalmente depois do término de um relacionamento. E a nossa amizade se fez tão sincera que até hoje mantemos contato. Estamos sempre relembrando o nosso piquenique improvisado sobre a grama enfeitada de “daisies” num parque londrino, assistindo à vida acontecer sob um dia de verão ensolarado enquanto contávamos nossas histórias e nos conhecíamos, enquanto chorávamos e acreditávamos que viver ainda é a nossa melhor viagem.

Encontrei uma simpática japonesa que pediu demissão de um bom emprego na área de tecnologia em Tóquio e foi para Londres estudar inglês. É que o bom emprego não a fazia feliz. Então logo ela retornaria para sua cidade e procuraria outro trabalho. Em um passeio ela me contou como era a sua irmã e rimos quando eu tentava pronunciar o nome dela; tímida, falou-me que iria tomar somente uma cerveja, pois se lembrava do sofrimento que fora o seu pai ter problemas com a bebida alcoólica.

Conheci um brasileiro que largou tudo para trás após passar por algumas cirurgias e sobreviver a uma doença que quase lhe tirou a vida. Ele pediu demissão no trabalho e foi conhecer o mundo. Fizemos um passeio juntos com uma alemã que também viajava sozinha e se questionava porque não tinha escolhido outra profissão, aquela que ela gostava, e não a qual sua família admirava.

Encontrei ainda gente do Catar, Taiwan, Espanha, Portugal, Suíça, Chile, Austrália e Estados Unidos passando pelos mesmos lugares por onde andei. E muitos brasileiros. As pessoas saíram de suas casas, deixaram suas rotinas e fizeram suas mochilas muitas vezes por motivos tão parecidos. Ou se não foram os motivos, foram os sentimentos e esse estado de ser só. Sozinho em pensamento ou na vida mesmo.

Nessa jornada, ouvi histórias de corações partidos, recomeços, amores novos, buscas, dúvidas, esperas, sonhos perdidos e esperanças reencontradas. Ouvi e vi a vida no outro como um espelho das dores e das alegrias que compõem o meu próprio dia a dia. E assim, viajei com meus sentidos olhando a paisagem pela janela desse trem que é a vida em festa e nos leva a um passeio cujo destino não sabemos, mas o que importa é aproveitar os passageiros, o encontro e o olhar sempre em frente.

Sentada na janela do trem, vi ovelhas num vale de infinito verde, cujo horizonte era delimitado pelo crepúsculo anunciando a noite calma, seus últimos raios de luz iluminando o céu em azul, púrpura, laranja e amarelo. A paisagem bucólica se misturava às casas escocesas feitas de pedras sólidas dos séculos passados. Enquanto as cenas através da janela iam ficando para trás, junto com os meus bons e ruins dias já vividos, eu mirei a esperança na próxima estação, porque ela sempre espera a coragem de quem se encontra na solidão para seguir adiante.

Acredito que às vezes só conseguimos compreender nossos porquês quando encontramos pessoas que procuram as suas próprias respostas. Aqueles que sentem e entendem a sua dor. Mesmo se forem desconhecidos do outro lado do mundo, até gente de outros costumes e culturas. Mesmo diferentes, somos todos iguais.

Porque podemos estar separados por distâncias, mas estamos juntos pelos mesmos sonhos. E assim, deixamos de nos sentir tão sós.