Precisamos falar sobre matriarcado

Precisamos falar sobre matriarcado

Agora estou esperando o segundo filho. É um menino. Como vai se chamar ainda não sabemos, mas a Neusa não quer dar nome de santo.

Antes da minha primeira gestação eu trabalhava numa editora. Fiz Letras e Pedagogia na USP e me especializei em tradução do francês para o português. Adorava o trabalho de selecionar originais, revisar, editar. Só que, quando acabou a minha licença-paternidade, a Neusa bateu pé. Veio me dizer que assumia as contas todas, que me queria dono de casa. O argumento dela é que um pai precisa lamber as crias. Contudo, para ser franco, acho que foi mais ciúmes dela com as minhas colegas de trabalho. Coisa de esposa marrenta.

Aceitei com os dois pés atrás. E agora vejo como fui tolo. Tolo e medroso. Sim, admito um certo receio da Neusa usar de violência comigo. Quando ela toma os aperitivos dela e eu vou querer peitá-la é pedir para dar confusão. Nunca disse nem para o meu pai, mas a Neusa vira e mexe me dá uns sacudões. Era o caso de ir a uma Delegacia do Homem, mas como ela é mãe do Tiago vou empurrando com o barrigão…

A realidade hoje é bem diferente de antigamente. Depois que a mulher foi ficando bombada, aumentou a sua testosterona e ela perdeu em gorduras e maternidade. Por outro lado, ganhou em força física. É cada varapau que dá até medo. Já o homem perdeu em musculatura e ganhou em gorduras e capacidade de procriação.

Eu sempre fui bem resolvido nessa questão, venho de uma família diferenciada. Meu pai, por exemplo foi um dos primeiros caras a dar à luz no Brasil. E de parto normal. Já a minha mãe era caixeira-viajante, fazia nenê na homarada em qualquer lugar que pousava. Cresci num ambiente assim, respeitoso com o sexo forte, onde ninguém abria a boca na mesa do jantar antes da mãe autorizar, senão ela batia.

Não, eu nunca ia me queixar de ter que fazer o papel passivo que a sociedade me reservou. É como diz aquele pensamento: ninguém nasce homem, torna-se homem.

No fundo, eu só esperava um pouco mais de carinho e atenção da Neusa. Ela chega do escritório, nem toma banho, já vem me escalando. Aquele bafo de cerveja, aquelas pernas sem depilar, aqueles palavrões cabeludos na minha orelha. Não tem um ramalhete de flores, um preâmbulo, um vinho, nada. É tudo pá-pum. Quando goza, vira para o lado e ronca. Nem pergunta se eu também me diverti.

Quando digo que quero arejar a cabeça, sair um pouco à noite, ir num chá de bebê com os parças, ela fica uma fera. Diz que, entre as amigas casadas dela, nenhum marido — especialmente os que ainda estão amamentando — saem sozinhos. No máximo, os pais têm um grupo de whatsapp para falar dos problemas das crianças na escolinha. E ponto.

É, não está fácil essa vida. Agora mesmo está me dando uma bruta dor na lombar de carregar o Tiaguinho no colo. Claro, sem a ajuda da mãe, que está jogando truco com as colegas no boteco. Vou ter que botar o menino no outro braço…

E agora, quando me viro, percebo que estou cochilando na fisioterapia. Deitado numa maca em recuperação da minha cirurgia no joelho — futebolzinho de quarta com os parças.

A fisio, uma mulherona de um metro e oitenta, usa na lapela do guarda-pó um crachá onde lê-se “Neusa”. Ela está me dando uns sacudões e dizendo: “acorda, Alfredo, hora de flexionar o tronco!”. Olho para ela e dou um longo suspiro. Essa Neusa está com as pernas depiladas.