Quando a violência é um ato de loucura, só nos resta sentar e chorar

Quando a violência é um ato de loucura, só nos resta sentar e chorar

Sonhei que um jardim ardia em chamas. Havia naquele escopo onírico, o qual se revelara, na verdade, um tenebroso pesadelo, um homem aturdido de meia-idade, cuja mente apodrecera, gangrenara com o vigor das horas, sufocado pelo emaranhado das heras, um verdadeiro poço de ira que regava, combalido pela anorexia de afeição, um canteiro novinho-em-flores com gasolina de alta octanagem. Fumar ele não fumava, nunca fumou, diga-se, parecia um sujeito qualquer, mesmo assim, acendeu um fósforo, ateou fogo e fez o mundo inteiro chorar.

Enquanto ardiam na paisagem drástica, rosas, crisântemos, begônias, lírios, azaleias, jasmins, cravos, margaridas, narcisos, gérberas, tulipas, violetas, girassóis, orquídeas, íris, hortênsias e um sem número de flores-do-campo que mal haviam brotado das sementes da terra imitavam, de forma involuntária, o seu algoz que fora também agredido, incinerado, tragado pela fúria das labaredas que queimam inocentes e culpados com a mesma voracidade.

Decompuseram-se as flores novinhas da sua da frágil anatomia. Desfizeram-se histórias prematuras e um bocado de inocência. Descritos como sonhos despetalados ainda em tenra idade, apareceram nos principais noticiários da TV, aumentando os índices de audiência, diminuindo para níveis críticos o conceito que eu, particularmente, guardava da espécie humana. Nem a arte nos salvará de tamanha barbárie. Derreteram as florezinhas como se fossem os relógios de Salvador Dalí. A violência, que parecia surreal, era.

Lá estavam elas, flores de todos os matizes a estalarem perplexas, definhando, crepitando sem ter para onde correr ou florescer, sumindo para sempre do lugar que, até então, ornamentavam com as suas pétalas risonhas, seus pedúnculos frugais e seus milagres de fotossíntese. Em síntese, os canteiros foram pegos de surpresa, sucumbindo de maneira trágica, horrenda, uma atrocidade como poucas vezes se vira na retrospectiva da iniquidade humana. O sol, que há milênios ardera no espaço, cogitou apagar para sempre.

O saldo foram as plantinhas dizimadas, as almas se sentindo a cada dia mais pesadas dentro dos corpos combalidos que restaram vivos para contar a história, curtir a dor até ela abrandar ou ensandecer. Lida-se mal com os relatos de crueldade contra os pequeninos, e isso é de desacorçoar. O aroma floral, primordialmente suave e adocicado, agora rescendia daquela minúscula creche em Janaúba mesclado à fumaça, ao assombroso vapor de seiva derretida que, por mera analogia, remetia a memorabilia olfativa da Santa Inquisição na Idade Média, fazendo os jardineiros das imediações e de outras plagas nausear, terrificar, surtar, respingar as cinzas do chão com as lavas dos seus olhos esbugalhados.

Despertei sem ter merecido, sem sequer ter adormecido. Por Deus que não se ateia fogo em jardins da infância. Quando a violência é um ato de loucura, só nos resta sentar e chorar.