A maior comédia romântica da história do cinema, com Julia Roberts, está na Netflix Divulgação / Touchstone Pictures

A maior comédia romântica da história do cinema, com Julia Roberts, está na Netflix

Há filmes que envelhecem bem. “Uma Linda Mulher”, o conto de fadas pós-moderno sobre uma prostituta ética da Geórgia que acha seu príncipe encantado (e cínico) numa esquina do Hollywood Boulevard, continua inspirando espectadores em todo o mundo com sua poesia dura embalada em cenas leves, repletas de cor, mas sempre ocultando nas entrelinhas a tristeza fundamental de seus personagens centrais, que também é a nossa.

Mestre em expor esses conflitos existenciais, Garry Marshall (1934-2016) faz de seu filme o totem diante do qual todo homem e toda mulher que já se viu no centro de relações algo obscuras se identifica, amalgamando romance e drama com notas de um humor quase corrosivo ao desbravar os universos bastante peculiares de cada um. No caso de “Uma Linda Mulher”, o roteirista J.F. Lawton funde as qualidades de uma garota irresistivelmente complicada aos defeitos de um quarentão aparentemente bem-resolvido, até que não se possa mais admiti-los separados.

VivianWard sai para mais uma noite de trabalho na Calçada da Fama, nas imediações da estrela de Carole Lombard (1908-1942), e, claro, não tem a menor ideia de que aqueles podem ser seus últimos momentos na dita profissão mais antiga da humanidade. Por ali passa todo tipo de gente, do doido manso de Abdul Salaam El Razzac (1944-2018) que alardeia que Los Angeles é de fato o paraíso das almas profanas em busca de redenção, ao milionário que estaciona uma Lotus Esprit prata no meio da rua, sabe-se lá por quê.

O engenhoso texto de Lawton trata de deixar claro que aquele homem único não tinha intenção nenhuma de parar ali, que só o fez por não ter o domínio necessário sobre a máquina, emprestada de um amigo que vai se revelar um grande adversário, dentro e fora da arena dos negócios. Edward Lewis, o ricaço, precisa chegar ao Regent Beverly Wilshire, um dos hotéis mais luxuosos da Cidade dos Anjos, mas está perdido.

Ela conhece LA como a palma de suas delicadas mãos, embora, por óbvio, nunca tenha estado lá; os dois engatam uma conversa que acaba na cama, depois de Viv estabelecer suas condições, e Eddie, como ela o chama afetando intimidade, fica tão viciado naquele sorriso de derreter geleiras na lua que a convida a passar a semana com ele — ao custo módico de três mil dólares. Pano longo.

Eles estreitam um pouco mais a convivência e descobrem semelhanças improváveis entre si, inclusive em seus ramos de atuação. Se ela vende o corpo para garantir o aluguel, ele usa de seu charme viril a fim de enredar megaempresários idosos como James Morse, de Ralph Bellamy (1904-1991), e fazê-los venderem por uma bagatela companhias a passo da falência, e ninguém ousa piscar.

O roteirista encadeia pérolas como essa no gigantesco mosaico que Julia Roberts e Richard Gere erigem diantedeum público mais e mais estupefato com a destreza do anticasal e de um bom elenco de coadjuvantes, que preenche as cenas elaboradas por Marshall como num balé russo, com técnica irretocável e sem prejuízo do sentimento.

O final ditoso, minutos depois da sequência em que Roberts nos faz esquecer “Oh! Pretty Woman”, a canção-tema de 1964 conhecida na voz de Roy Orbison (1936-1988), seu compositor, e só lembrar de “It Must Have Been Love” (1987), do Roxette, o duo sueco formado por Per Gessle e Marie Fredriksson (1958-2019), é um sonho. Que falta tem feito Garry Marshall.


Filme: Uma Linda Mulher
Direção: Garry Marshall 
Ano: 1990
Gêneros: Romance/Comédia/Drama
Nota: 10