Últimos dias para assistir à obra-prima indicada a 8 estatuetas do Oscar, com Anthony Hopkins, na Netflix Divulgação / Columbia Pictures

Últimos dias para assistir à obra-prima indicada a 8 estatuetas do Oscar, com Anthony Hopkins, na Netflix

Num intricado balé entre o agitado e o melancólico, a existência de Stevens, brilhantemente encarnado por Anthony Hopkins em “Vestígios do Dia”, se desvela como uma prolongada agonia. Esta colaboração fecunda entre Hopkins e James Ivory, marcada pela presença constante de Emma Thompson, destaca-se como uma trama cativante e complexa.

O filme, inspirado no romance homônimo de Kazuo Ishiguro, laureado com o Prêmio Man Booker em 1989, escapa da cadência tradicional, optando por emular uma cadência única, guiada pela sensibilidade inigualável de Ivory. Este cineasta perspicaz percebe a necessidade de um enredo que se desenrole em torno de um protagonista masculino cuja alma é esquiva, resultando numa narrativa cíclica e repetitiva.

Gradualmente, Stevens se apossa do enredo, beneficiado não apenas pelo talento magistral de Hopkins, mas também pela presença marcante de Thompson, que equilibra carisma, melancolia, técnica e ousadia. O roteiro meticuloso de Ruth Prawer Jhabvala realiza uma análise penetrante da onipresença inicial de Stevens. Este mordomo-chefe de Darlington Hall, propriedade do decadente Lord Darlington, interpretado por James Fox, enfrenta a humilhação de ver sua casa ser vendida a um congressista americano.

No verão de 1956, Stevens, com trinta anos de leais serviços à família Darlington, lida com o constante temor da demissão, uma secura espiritual que permeia seu ser e a solidão que paira iminente. A fotografia hipnotizante de Tony Pierce-Roberts utiliza com maestria o contraste entre o verde exuberante dos campos ingleses e o azul esmaecido do automóvel que conduz Stevens até o litoral. Seu destino é o encontro com Miss Kenton, ex-governanta vivida por Thompson, não por mera cortesia ou inclinação sentimental, mas para persuadi-la a retornar a Darlington Hall, revelando assim sua obsessão e egolatria.

No romance de Ishiguro, a ideia-chave, o apoio de Lord Darlington à Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial, é explorada de maneira mais orgânica, sem os artifícios adicionados pelo diretor para destacar um tema que considera crucial. Em “Vestígios do Dia”, que está na Netflix, o antigo caso entre Stevens e Kenton ganha maior destaque.

Em passagens em que Stevens atua nos suntuosos jantares de Lord Darlington, revividos em detalhados flashbacks, Ivory retrata o desconforto do mordomo diante dos vestígios declarados do apoio ao nazismo por parte do personagem de Fox e seus convivas. A misantropia de Stevens é a aplicação prática do apotegma de Aristóteles.

Emma Thompson entra de maneira mais expressiva na trama após a referência à guerra e ao nazismo, desvendando o filme para possibilidades que, infelizmente, não se concretizam. O calor palpável de “Me Chame Pelo Seu Nome”, dirigido por Luca Guadagnino em 2017 e adaptado por Ivory, transforma-se no frio glacial da etiqueta britânica dos criados.

Thompson quebra essa caricatura com uma atuação que flerta com o melodramático e a chanchada, mas mantém-se no controle, demonstrando seu domínio cênico excepcional. Apesar da decisão inflexível de Stevens, típica de sua natureza, os românticos inveterados lamentam. Contudo, a senhorita Kenton exibe seu amor platônico diante do espectador, consolada apenas pela triste verdade. Tudo tão nítido quanto uma tarde de verão no norte da Itália.


Filme: Vestígios do Dia
Direção: James Ivory
Ano: 1993
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 9/10