Baseado em best-seller alemão lido por mais de 100 mil pessoas, tesouro do cinema europeu está no Prime Video Divulgação / Glory Films

Baseado em best-seller alemão lido por mais de 100 mil pessoas, tesouro do cinema europeu está no Prime Video

Quando se pensa em nazismo, não é comum que se reflita em que proporção essa chaga tão funda na jornada do homem sangrou a vida particular de quem teve o infortúnio de vê-la bem de perto, alastrando-se de fato como uma moléstia, outros tempos, que moldaram outras vidas, mas que ninguém é capaz de esquecer, nem aqueles que estavam longe no tempo e no espaço, aqui ou em algum plano vizinho, aguardando sua vez de chegar ao mundo.

Os povos germânicos têm uma obsessão genuína por esse capítulo monstruoso de sua história, contando-o repetidas vezes a fim de que as novas gerações se convençam do perigo das tentações autoritárias e os mais velhos sintam-se aliviados diante de uma recordação certamente dolorosa, mas hoje apenas uma lembrança.

“A Tabacaria”, que está no Prime Video, funde o imaginário que a humanidade nutre acerca da inominável perseguição a judeus, exacerbada no momento em que Hitler ascende ao poder, ao amadurecimento de um garoto de dezessete anos, confuso, revoltado com as injustiças que presenciava, mas que escapa do desespero graças a uma amizade breve, mas transformadora, e à descoberta do amor, que também passa.

O famoso romance homônimo do austríaco Robert Seethaler publicado em 2012 menciona Sigmund Freud (1856-1939) e seus valiosos conselhos ao protagonista, mas o roteiro de Leytner, Seethaler e Klaus Richter é muito mais que isso. Bruno Ganz(1941-2019) segura a narrativa por tempo o bastante para que Simon Morzé apareça e então os dois virem o enredo para o caráter meio farsesco que o torna tão saboroso.

Franz Huchel, o mocinho de Morzé, tal como a andorinha da valsa de Johann Strauss (1825-1899), sai de seu vilarejo natal, em 1937, e muda-se para Viena, deixando a mãe, Margarete, de Regina Fritsch, empregada numa casa onde ganha o pão e come a carne. Franz, a encarnação mesma da inocência, vai se dando conta de que terá de rever sua índole, e um dos encantos do longa é acompanhar sua metamorfose, levada com muito jeito pelo diretor. 

Leytner refuta a tentação do melodrama, erigindo esse arco de modo a fazer dos diálogos manifestações as mais autênticas para alguém como seu protagonista, um rapaz ainda verde, sem educação formal, que se vê obrigado a tomar pé das tremendas reviravoltas sociais de seu tempo ao passo que descobre-se como indivíduo e experimenta as primeiras notas do amor. O melhor é perceber que Morzé encontra seu próprio eixo na composição de seu personagem, dependendo pouquíssimo de Ganz, que termina sendo um escada para as emoções todas que capta e traduz a seu talante.

À medida que Freud vai saindo de cena e morre dois anos mais tarde, em 1939, iluminam-se outras figuras, a exemplo de Otto Trsnjek, o amante da mãe de Franz vivido por Johannes Krisch, dono da tabacaria do título, onde o garoto vai trabalhar, e Anezka, a moça festeira que o seduz e o magoa.

Emma Drogunova também chega como uma lufada de ar fresco na sala meio enevoada que é o filme quase todo, tomado de tons funestos na fotografia de Hermann Dunzendorfer. Crescer continua sendo doloroso, amar continua sendo doloroso, mas sempre há uma era de noites mais longas que dias. “A Tabacaria” é sobre isso.


Filme: A Tabacaria
Direção: Nikolaus Leytner
Ano: 2018
Gêneros: Thriller/Drama
Nota: 9/10