Superprodução de 150 milhões de dólares, de Ridley Scott, acaba de chegar à Netflix Divulgação / 20th Century Studios

Superprodução de 150 milhões de dólares, de Ridley Scott, acaba de chegar à Netflix

Ridley Scott não tem a menor pretensão de ser humilde. Aos 86 anos, o cineasta segue dando reiterados exemplos de que vai longe, mormente quando se trata de fazer o que mais gosta em seu ofício: escalar o Olimpo e de arrastar de lá figuras incontrovertidamente magníficas, a fim de dar-nos a ilusão de que temos algo em comum com elas.

Em “Êxodo: Deuses e Reis”, Scott mantém o expediente observado em “Prometheus” (2012), “Robin Hood” (2010), e, claro, “Gladiador” (2000), e bota um pouco de glamour na vida de um dos homens fortes do que se conhece por civilização judaico-cristã, o que implica, de modo automático, o questionamento de um sem número de dogmas, imagens cristalizadas no inconsciente do gênero humano há mais de dois milênios, palavras que o tempo eternizou para uns e que foram tragadas pelo vento para outros.

Pode-se até dizer que o diretor reconta uma versão bastante pessoal da vida de seu protagonista, estabelecendo algum paralelo com o que se tem por verdade científica hoje, ousadia a que nunca escapa impune e que dá um gosto ainda mais revolucionário ao que apresenta.

No ano 1300 antes da Era Comum, os hebreus inteiravam seu quarto século como escravos no Egito. Eram eles que erigiam os monumentos, as cidades e a glória desse povo sempre reverenciado pela originalidade da arquitetura, a partir da qual projetou-se para todos os outros setores do conhecimento então abertos ao homem, dominados não sem confrontos com outras denominações étnicas.

O roteiro de Adam Cooper, Bill Collage, Jeffrey Caine e Steven Zaillian menciona logo no início a guerra contra os hititas e sua enormidade de dezesseis mil soldados que já invadiam Kadesh, atualmente na Síria. No palácio do faraó Seti 1º (1323 a.C. – 1279 a.C.) em Mênfis, o monarca está reunido com seus conselheiros, que dão a entender que irão atacar, mas a verdade é que já estão cercados. Moisés (1391 a.C. – 1271 a.C.), o concêntrico protagonista, aparece com maior destaque pela primeira vez num diálogo intimista com o soberano das terras baixas.

Num dos vários momentos sublimes do longa, Christian Bale e John Turturrodividem a cena como pai e filho cujos laços dispensam o sangue; como todo mundo sabe, Moisés foi tirado das águas por uma das filhas do rei, que o encontrara boiando no Nilo. Scott deixa adormecida a provável rivalidade entre o filho adotivo do faraó e Ramsés 2º (1279 a.C. – 1213 a.C.), seu filho biológico, mas lança mão desse argumento à hora adequada, quando os personagens de Bale e Joel Edgerton se enfrentam numa ocasião envolta pela bruma da mitologia, mas fascinante também por isso.

A computação gráfica responde pelo espetáculo de um rio de sangue no qual multiplicam-se peixes mortos, sapos que se apossam da cidade, moscas, vermes e a peste que dizima a população, deixando-lhe por estigma pústulas esbranquiçadas no rosto. Os roteiristas quase ensaiam uma desnecessária explicação lógica para cada uma das dez pragas que castigaram o Egito, mas felizmente Scott retoma a mágica com o registro da célebre travessia do mar Vermelho e de um Moisés idoso lapidando as tábuas dos dez mandamentos.

Só não contorna um certo travo de decepção da audiência pelo desperdício de Ben Kingsley como Nun, o ancião que revela ao profeta seu destino de libertador do povo hebreu, pouco antes que Moisés abra o oceano para que a gente que com quem partilha a origem atravesse, marche rumo à península do Sinai e de lá siga até Canaã, na Galileia, a chamada terra prometida. Sem polemizar, “Êxodo: Deuses e Reis” derruba o único refúgio dos antissemitas, essa, sim, uma maldição real e perigosa.


Filme: Êxodo: Deuses e Reis
Direção: Ridley Scott
Ano: 2014
Gêneros: Épico/Drama/Ação
Nota: 8/10