Bula de Livro: O Pato, a Morte e a Tulipa, de Wolf Erlbruch

Bula de Livro: O Pato, a Morte e a Tulipa, de Wolf Erlbruch

Li “O Pato, a Morte e a Tulipa”, de Wolf Erlbruch, e encontrei ali o entendimento simples e terrível da proximidade da morte. Existe uma maravilha por trás da simplicidade que precisa ser conhecida. A Literatura infantil ou infanto-juvenil, que usa a arte visual como elemento agregador, tem como um de seus objetivos inserir crianças e adolescentes no mundo das letras. Os signos alimentados pelos desenhos, que ingenuamente ornam o livro, criam a transição necessária desde o mundo da imaginação supervisionada para o mundo livre e independente criado pelos jovens e adultos durante a leitura de seus livros preferidos. Por isso, a simplicidade precisa ser instigada! Olhos despreparados não a conseguem ver. É necessário estar no limite de algo. Pode ser nas fronteiras da criatividade ou nas vésperas do desespero. Ambos, contraditórios, funcionam como caminhos. O fato é que essa ideia deve ser interpretada como aquelas filosofias orientais sobre vida e conhecimento: “A morte é mais leve que uma pluma”. “O Pato, a Morte e a Tulipa”, é pura simplicidade. Pato-patético! Nada é tão frágil e puro.

Wolf Erlbruch
O Pato, a Morte e a Tulipa (Companhia das Letrinhas,‎ 40 páginas)

Escrito e desenhado, aparentemente, para leitores de todas as idades, “O Pato, a Morte e a Tulipa” não é um livro para crianças, no sentido convencional. Nele está colocado o resumo da existência, no sentido existencialista, a pena de morte contratada no nascimento, a parceria ser-vida e sua principal inimiga: a morte. A leveza e a simplicidade de Erlbruch é que torna o livro um clássico de nascença e uma leitura de formação, de visão e de adaptação. A compreensão dos elementos fundamentais da manifestação humana são o interesse do autor. Em quarenta páginas de filosofia mínima ele diz mais do que volumosos tratados de estudos sobre a vida, o universo e tudo mais.

Erlbruch parece dizer que, devemos saber, a morte é a única certeza e a única amiga que, ao longo da vida, se consolida fiel e companheira. “Estou sempre por perto, desde que você nasceu. Por via das dúvidas, sabe?” Especialmente na velhice, como deve ser o caso do Pato da história, ficamos cada vez mais próximo dessa amiga paciente e eficaz. O fio que mantém o corpo atado à vida é frágil e constantemente testado. Está em vias de se romper. “Eu só digo: raposa.” Para a Morte, a própria vida cuida do acidente. Peculiar esse dilema! É a vida, que tanto estimamos e protegemos, que ironicamente nos proporciona o evento último, que nos predispõe à antessala da morte.

A Morte de Erlbruch se veste de xadrez, é cafona e antiquada, e é cheia de carisma, pois sorri. Assemelha-se a uma vovó meio distraída e lerda, com seus sapatos pretos démodé. Os desenhos são uma mistura de estilo. Lápis, giz de cera e colagens simulam um recorte malfeito e contrastantes de tipos diferentes de papéis sobrepostos. Criam uma nostalgia muito bem conquistada e uma tristeza de deixar abatido. Não há escapatória, mas há redenção. O Pato e a Morte tornam-se amigos. Isso é claramente o recurso da velha esquelética para deixar o Pato conformado com o seu destino. No colo da Morte, ele aceita.

Há no livro lições relevantes que a criança aprenderá para a vida. A Morte ensina para o Pato que a existência carece da presença humana, da consciência de sua compleição. “O lago, sozinho, sem mim.” Lastima o Pato quando entende o seu eminente desaparecimento.

Mas e a Tulipa? Ela está ali, sempre presente nas páginas do livro, ora solta no chão, ora nas mãos da Morte. É um anelo entre o desconhecido (terrível lugar onde não é possível saber como é ou o que nos espera) e o mundo costumeiro e normal onde o Pato vive e entende. A Tulipa é o convite do Pato à Morte. O certificado de que ela pode entrar em seu mundo, interagir e ser amiga, mudar tudo e tirar-lhe o seu maior e mais estimado bem: a vida.


Livro: O Pato, A Morte e a Tulipa
Autor: Wolf Erlbruch
Tradução: José Marcos Macedo
Páginas: 40
Editora: Companhia das Letrinhas
Nota: 10/10