Para que servem os comediantes?

Para que servem os comediantes?

Eis que então o príncipe Hamlet e seu amigo Horácio abordaram o coveiro, que cavava uma sepultura.

— De quem é esta caveira? — perguntou Hamlet, manuseando um crânio recém-desenterrado. 

— De um comediante — falou o coveiro, não reconhecendo o príncipe. 

— Que comediante?

— Um comediante, ué. Que cansou de esculhambar o rei, e antes dele o pai do rei, e que esculhambaria até o príncipe Hamlet, se vivo fosse. 

— Mas do que ele morreu? — sondou o príncipe.

— Aí é que está — falou o coveiro. — Uns dizem que ele foi preso por causa de um trocadilho malsucedido numa piada política, que acabou interpretado como uma menção ao formato da genitália da rainha, e morreu decapitado.

Outros, que ele deixou de fazer piadas pra tornar-se agente de comediantes itinerantes por todo o reino, tornando-se milionário e acabando assassinado por um cliente por conta de uma vírgula suspeita num contrato de participação de lucros. E há quem jure que ele, percebendo a total inutilidade de sua função pra comunidade, pro reino e pro mundo, se matou. 

— Como assim? — perguntou o príncipe. 

— Ah, amigo — disse o coveiro. — Um rei governa. Um peixeiro vende peixe. Um coveiro enterra as pessoas. Mas o que faz um comediante?

— Os outros rirem? — tentou Horácio, o amigo do príncipe, pra fazer valer sua participação no texto.

— Rirem por quê? — replicou o coveiro. — Qual a utilidade do riso?

— Aliviar o peso da existência? — voltou a falar Hamlet. 

E o coveiro, terminando de cavar e voltando à superfície:

— O amigo há de convir que isso é um eufemismo pra alienação. Pra cortina de fumaça jogada sobre os problemas. As grandes questões da vida precisam ser confrontadas, e a comédia é o pueril subterfúgio que, provocando o riso, nos tira toda a noção de responsabilidade e objetividade. 

— Confesso detectar amargura em tua opinião — disse Hamlet. 

— Mas faço minha parte na comunidade — arrematou o coveiro. — Coisa que um comediante está longe de fazer. E agora me deem licença, que eu tenho um enterro pra cuidar.

— Quem morreu? — perguntou o príncipe. 

— Parece que foi o Senso de Humor. E, se quer saber, já foi tarde. 

MORAL: Matar qualquer um mata, mas jogar uma pá de cal sobre o assunto é coisa de especialista.