Bula de livro: Caderno Proibido, de Alba de Céspedes

Bula de livro: Caderno Proibido, de Alba de Céspedes

Sexagésimo segundo livro (62º) lido em 2023: “Caderno Proibido”, de Alba de Céspedes, italiana. Em poucas palavras: “Neste caderno, a totalidade de minha vida, tão consumida pelos outros, se materializa e torna-se quase tangível no peso das páginas, marcada pelos traços de minha densa caligrafia”.

Alba de Céspedes é uma das influências explícitas e declaradas de Elena Ferrante, sendo, possivelmente, a maior romancista em língua italiana do século 20. Apesar de ser ainda pouco conhecida no Brasil, foi apresentada, de forma mais ampla, ao público brasileiro em uma primorosa edição da Companhia das Letras.

Na Roma dos anos 1950, uma mulher, já mãe de dois filhos e casada, inicia o registro de sua vida em um diário. Dividida entre as funções de mãe, esposa e funcionária de um escritório, enfrenta, com resignação, as transformações dos filhos e um casamento monótono, no qual é sempre denominada “mamãe” pelo marido, como se sua individualidade fosse reduzida a um mero adorno da família.

À medida que suas anotações progridem, a protagonista mergulha em um persistente estado de tensão, temendo que alguém possa descobrir o caderno e os segredos que ele abriga. Ao escrever, são perceptíveis as metamorfoses que ocorrem com ela, como se escrever fosse um ato de purgação e, simultaneamente, de percepção.

A protagonista conduz o leitor por um mosaico de segredos, grandes e pequenos. A autora nos transporta para dentro da narrativa, delineando um retrato íntimo da protagonista e explorando as consequências das transformações experimentadas pela sociedade italiana no pós-guerra, exemplificadas no relacionamento da filha com um homem casado.

Raramente me deparei com um livro no qual a construção da personagem seja tão vividamente e precisamente esboçada: uma mulher em um caminho de autodescoberta, explorando seus desejos, anseios e até depravações, se levada em conta a moral burguesa vigente antes da guerra.

A personagem é simultaneamente fascinante e repulsiva, impregnada de autocomiseração, conforme ela própria expressaria:

“Guido está correto ao dizer que encontro prazer em me sentir subjugada, aniquilada; e talvez, se eu renunciasse, não seria por princípios morais, como alego. Na verdade, não sinto comprometimento algum com meus deveres de esposa e mãe, nem considero ridículo apaixonar-me à beira de tornar-me avó”.

Este é um livro sobre uma mulher, escrito por uma mulher, que deveria ser lido por todos, homens inclusive.


Livro: Caderno Proibido
Autor: Alba de Céspedes
Tradução: Joana Angélica d’Avila Melo
Páginas: 288 páginas
Editora: Companhia das Letras
Nota: 9/10