A maior obra-prima do cinema de todos os tempos está na Netflix Divulgação / Paramount Pictures

A maior obra-prima do cinema de todos os tempos está na Netflix

“O Poderoso Chefão” é um filme rodeado de mitos, histórias e adversidades. Baseado no romance de Mario Puzo, a obra-prima de Francis Ford Coppola foi concebida sob uma agonizante pressão da Paramount Pictures, que se intrometia em cada detalhe do processo. Coppola se considera um homem habilidoso em conseguir driblar as ordens de seus superiores mais que em ser um bom cineasta.

Da pré até a pós-produção, Coppola virou dos 29 para os 30 anos de idade. Era apenas um jovem sonhador cheio de talento e visão. E se hoje ele é um colecionador de Oscars, com cinco estatuetas em sua prateleira, na época em que foi contratado para “O Poderoso Chefão”, ele ainda não tinha nenhum prestígio e quatro filmes sem expressão no currículo.

Mas a pressão sofrida por Coppola não veio apenas da Paramount, mas também da própria máfia e da comunidade italiana, que não queria ser vinculada à marginalidade e ao crime. Conhecido por transformar produções caóticas e enlouquecedoras em obras-primas, sua adaptação do livro de Puzo pode até ter tido seu sucesso alavancado pela própria cobertura midiática em torno das polêmicas de sua execução, mas se provou muito mais que apenas um espetáculo hollywoodiano. “O Poderoso Chefão” é uma obra visionária que mudou o curso da carreira de Coppola, revolucionou o gênero gângster no cinema e ressoa até hoje. É uma das produções mais culturalmente influentes e o melhor filme já feito na história.

O enredo shakespeariano coloca Don Vito Corleone (Marlon Brando) no topo da pirâmide de sua família, uma das mais poderosas do crime organizado em Nova York. Como um rei, o don está velho e precisa escolher e preparar seu sucessor. Sua prole de homens é formada pelo mais velho, Sonny (James Caan), um homenzarrão sedutor, bruto e emocionalmente instável; Fredo (John Cazale), um rapaz inseguro, introvertido, pouco inteligente e ambicioso demais para ocupar a posição de líder;  e Michael (Al Pacino), o caçula racional e filho exemplar, veterano da Segunda Guerra, que o pai não quer na máfia, mas ocupando uma cadeira no Congresso. Além dos filhos biológicos, há também o irlandês Tom Hagen (Robert Duvall), adotado pela família ainda na infância, que se formou em direito e, por sua inteligência e sabedoria, está prestes a se tornar consegliere.

Mas os caminhos não deixam muitas escolhas para Vito quando um atentado o coloca incapacitado em um leito de hospital. Michael precisa assumir um papel para provar que sua família não está enfraquecida, como imagina seus adversários no crime. Então, ele se torna peça crucial em um tabuleiro de xadrez, onde sua missão é derrubar McClusky (Sterling Hayden), um capitão de polícia corrupto, e Solozzo (Al Lettieri), um afilhado dos Tattaglia que quer incorporar o tráfico de drogas nos negócios das Cinco Famílias.

A tentativa de executar Vito partiu de Solozzo, porque o don votou contra as Cinco Famílias entrarem nos negócios das drogas. Vito Corleone é um homem conservador e tradicional, embora seus princípios pareçam contraditórios em relação aos seus métodos de conquistar dinheiro e poder. Ele não queria que drogas fossem vendidas em bairros de famílias italianas e nem queria se queimar com transações tão sórdidas. Para Solozzo, o posicionamento do don é antiquado. O raciocício do adversário é o de eliminá-lo para que Sonny possa assumir e votar a favor do negócio de drogas.

Mas após a execução icônica de McClusky e Solozzo no restaurante por Michael, as coisas mudam completamente de rumo. Agora o caçula de Vito está envolvido até o pescoço na máfia e precisa ficar escondido por um ano na Itália até a poeira baixar. Depois de retornar para os Estados Unidos, ele se torna o principal nome para assumir o lugar de seu pai. E se mostra extremamente competente na missão.

Uma das maiores belezas deste filme é acompanhar a transição de Michael, que primeiro é apresentado como um jovem idealista e honesto, tão brilhante e promissor que nem parece ter saído da família Corleone. A cena do restaurante, uma das mais emblemáticas e a que convenceu a Paramount de que Pacino era o ator certo para interpretar Michael, é o momento catártico de nosso anti-herói. Naquela cena ele é batizado e reconhecido como um verdadeiro mafioso, mas mais que isso, como um potencial líder. Não é preciso nem comentar como os efeitos sonoros ensurdecedores de trem esgatanhando os trilhos afloram as tensões e a arrepiante canção de Nino Rota sela o destino de Michael como don.

Mas é impossível colocar em apenas algumas linhas o quanto a genialidade de cada detalhe empregado neste filme o torna único, visionário e uma obra-de-arte. A fotografia inovadora de Gordon Willis, caracterizada por baixa iluminação e jogos com sombras e luzes que transformavam os rostos dos personagens em carrancas, não apenas alegorizando os negócios escusos da família, mas reforçando o clima de suspense, violência e estresse. As cores vivas, mas obscuras, ainda trazem à tona o tom enérgico da trama.

Embora ainda possamos ver alguns overactings, aquelas antigas atuações exageradas, comuns do cinema mais antigo e que levam em conta técnicas do teatro, Marlon Brando e Al Pacino dão uma verdadeira aula de atuação ao interpretar homens fortes e soberbos, mas com expressões e tons de vozes completamente estoicos. Há um perfeito equilíbrio entre seus momentos íntimos e pessoais de emoção e aqueles em que eles são líderes e não permitem que suas vulnerabilidades se apresentem na vida profissional e diante de seus comandados. Seus papeis influenciaram gerações de novos de atores e atrizes.

Recordista de bilheterias na época de seu lançamento e ganhador dos Oscars de melhor filme, melhor roteiro adaptado e melhor ator para Marlon Brando, o longa-metragem é um tesouro inestimável e que venceu a prova do tempo.


Filme: O Poderoso Chefão
Direção: Francis Ford Coppola
Ano: 1972
Gênero: Crime/Policial/Drama
Nota: 10